Yolanda Hopkins tem talento e resultados. O que falta para ter patrocínio principal?
A propósito do Mês da Mulher, conversámos com uma das representantes da seleção portuguesa nos Jogos Olímpicos e campeã nacional portuguesa em 2019, Yolanda Hopkins.
A resposta fica no ar e ninguém a agarra para responder. Já foi campeã nacional em 2019, foi vice-campeã mundial nos ISA World Surfing Games de 2021 e no mesmo ano venceu a etapa de Newquay, que contribui para a qualificação do Circuito Mundial. Quando os Jogos Olímpicos bateram à porta, chegou ainda a classificar-se para representar a seleção nacional, trazendo um 5º lugar. Uma rápida busca no Google pelo seu nome e a portuguesa surge como "atleta olímpica". O trabalho está feito mas onde está a recompensa?
Trocam-se dois dedos de conversa com Yolanda e parte-se da certeza de que tem uma visão objetiva da realidade. Acredita que um bom surfista não se faz só dentro de água, por esse motivo tem posto o foco nisso. Mais regularidade em termos de treinos físicos irá proporcionar mais power nas manobras e acredita que nesse aspecto os homens são “mais disciplinados”.
Por outro lado, defende também que um alargamento do número de mulheres no Tour e em Portugal seriam pontos que justificariam o prize-money igualitário.
Mas se falamos de diferenças entre homens e mulheres, estes nem sempre jogam em pé de igualdade. “É frustrante e desapontante que o surf feminino seja visto baseado na imagem, na qualidade de fotos e não do surf”.
Com a aparição nos Jogos Olímpicos “o surf ganhou um novo estatuto” e Yolanda Hopkins esteve presente, não só para elevar o nome de Portugal mas o surf feminino a outro patamar.
P: Já tiveste resultados, já representaste a seleção nos Jogos Olímpicos, mas ainda não surgiu nenhum patrocínio no nose. A que achas que se deve isso?
R: Para ser sincera, não sei porque é que ainda não apareceu esse patrocínio para o nose da minha prancha. Considerando o que alcancei e os resultados que tenho tido, pensei que a participação nos Jogos Olimpicos fosse o momento em que aconteceria. Mas vamos olhando para o futuro e espero que isso ainda aconteça.
P: Há uns anos atrás falava-se muito da imagem das surfistas ser mais importante do que a qualidade do surf, achas que isso mudou?
R: Vejo isto a acontecer por cá mas mais no resto do Mundo do que aqui em Portugal. Penso que as pessoas já estão a ter mais noção que o importante não é o que põem no Instagram, mas sim o que valem dentro de água. Essa parte é sem dúvida a mais importante, não a imagem que passam para o público, masculino ou feminino. É frustrante e desapontante que o surf feminino seja visto dessa maneira, baseado na imagem, na qualidade de fotos e não do surf! Esta visão tem vindo a mudar mas não tanto como gostaria, devagar lá chegaremos.
"Existe uma grande diferença anatómica entre homens e mulheres mas isso não significa que não tenhamos um surf ao mesmo nível ou até mesmo superior"
Meo Vissla Ericeira Pro em 2021 | Créditos de imagem: WSL / DAMIEN POULLENOT
P: Fala-se muito sobre as diferenças anatómicas entre homens e mulheres, como é que achas q isso torna diferente o estilo de surf de cada um? Pode fazer-se esta distinção?
R: Existe uma grande diferença anatómica entre homens e mulheres mas isso não significa que não tenhamos um surf ao mesmo nível ou até mesmo superior. As meninas têm o mesmo potencial (pelo menos). O que posso dizer a favor dos homens é que penso que sejam mais disciplinados em termos de treinos. Mais horas, mais commitment. Treinos regulares, mais power, isso sim, faz muita diferença.
Tens alguns pontos de referência, como por exemplo a Carissa Moore. Quando a vês a surfar contra alguém menos experiente, a diferença é brutal. O spray que sai de uma manobra da Carissa em relação a outra é enorme. Vês o treino de muitas horas no ginásio, a dedicação, o power.
Eu treino muito e esse é um dos meus focos principais: passar muito tempo dentro de água e muito treino no ginásio. Muitas vezes também fora de ginásio: BTT, corrida, natação, karaté. Gosto de variedade e penso que se nota no meu surf com power que agrada aos juízes internacionais e nacionais também. Acho que o power no surf feminino, a explosão nas ondas e uma linha bonita é do agrado dos juízes.
"Agora olham para o surf não só como um hobby que fazes no verão"
P: O surf fez a primeira aparição nos JO em 2021 e tu fizeste parte da história. De que forma é que consideras que isso impactou o surf feminino? E sente-se um ambiente diferente em competições no exterior e competições em Portugal em termos de valorização?
R: Os Jogos Olímpicos tiveram um impacto tremendo no surf feminino e também masculino. O surf ganhou um novo estatuto e foi descoberto por milhões de pessoas que nada sabiam sobre o desporto.
Agora olham para o surf não só como um hobby que fazes no verão. Mais pessoas têm noção de que podes fazer uma carreira no surf tal como noutros desportos. Esta inclusão trouxe um novo público, trouxe uma exposição diferente. Hoje em dia vêem-te como atleta olímpica, esperam grandes feitos, uma qualidade de surf mais superior, esperam que dês luta, consideram-te um inimigo perigoso. Sem dúvida que nos deu, a nós mulheres, um estatuto diferente.
Yolanda no Roxy Pro France em 2021 | Créditos de imagem: WSL / DAMIEN POULLENOT
P: Cresceste numa altura em que a imagem do surf feminino foi progredindo. A WSL implementou os mesmos prize-money, recentemente as mesmas paragens do Tour. Tu que vives o surf na pele, sentes essa diferença?
R: Sim, a WSL tem progredido ao longo dos anos e hoje em dia chegamos a um ponto de igualdade. Concordo em geral, o único senão que vejo é mesmo o número de competidores masculinos em relação ao número feminino no Tour. Penso que um número mais equilibrado de competidores poderia ser uma mais valia! Assim sim, penso que estaria a um nível igual para se justificar o mesmo prize money.
P: O que falta fazer em Portugal para colmatar as diferenças de género entre homens e mulheres? E justifica-se que se faça isso?
R: Em Portugal é um pouco mais difícil. Como mencionei anteriormente em relação ao mesmo número de competidores (feminino e masculino), penso que tal não seria viável em Portugal, pois os números não são equilibrados. O número de homens a surfar ultrapassa a milhas o feminino. Há uma diferença e nível grandes demais! Mas essa diferença vai diminuindo a olhos vistos e a pouco e pouco, as meninas vão mostrando o seu nível a um ponto que poderão ser igualadas ao homens, com power e garra!
Azores Airlines Pro em 2021 | Créditos de imagem: WSL / LAURENT MASUREL
Por Catarina Brazão