Contrariar tendências é a tendência de Teresa Abraços
A propósito do Mês da Mulher, conversámos com a ex-campeã nacional portuguesa e uma das pioneiras do surf feminino em solo português, Teresa Abraços.
Pelos olhos de Teresa Abraços, que se estreou no surf nos anos 80, já se passaram várias gerações e com elas foram atrelados vários progressos. Mas alguém tinha de conduzir o veículo da mudança e a ex-campeã nacional carregou no pedal.
Não foi de atitudes resignadas e conformistas que o mundo alguma vez andou para a frente e Teresa Abraços sabia disso. Atirou para trás das costas os olhares de curiosidade e desaprovação que recheavam os autocarros quando ia com as restantes e únicas 3 raparigas competir, em campeonatos masculinos, com a mesma desenvoltura com que contribuiu para alterar o estigma de que no surf só havia lugar para quem consumia substâncias ilícitas e levava um estilo de vida de ociosidade sem ambições futuras.
Os preconceitos associados e o domínio sobretudo masculino, sem o apoio de referências femininas, levavam a que as próprias raparigas se auto-excluissem e, nem a vontade de aprender a deslizar sobre as ondas conseguia sobrepôr-se à intimidação que sentiam, mas não todas. “Nunca me conformei com uma postura dessas! Era comum ouvir outras meninas na época dizerem que gostavam de surfar, mas que eram só rapazes na água ou que era muito difícil para uma rapariga. Sempre tentei mostrar que também era possível começarmos a surfar e evoluir”.
"Os finalistas iam ao pódio, eles para receberem um cheque e nós…umas palmas…Era ridículo!"
Mas a evolução nem sempre era recompensada em competição. “Recordo-me de, durante vários anos, os homens já terem prémio monetário no circuito nacional e nós não. Na entrega de prémios os finalistas de ambas as categorias iam ao pódio, eles para receberem um cheque e nós…umas palmas…Era ridículo! Sobretudo se pensarmos que os custos com deslocação, alojamento, alimentação, etc. são iguais para todos.”
A linha que separa o passado do futuro no surf feminino e no surf em geral
Hoje, Teresa consegue medir com algum comprimento de fita métrica as diferenças , para melhor, entre o passado e o presente. “Quando falo de apoios, não estou só a referir-me a patrocínios e premiações de campeonatos, mas também a toda a envolvência familiar e académica. Há cada vez mais pais a aceitarem e até apoiarem a hipótese das suas filhas seguirem o surf como profissão. Por outro lado, a atenção que os média dão ao surf feminino também melhorou imenso. Antes éramos praticamente ignoradas. Menos exposição mediática, resultava não só em menos hipótese de apoios, mas também em menor divulgação do surf feminino, atrasando o seu crescimento”.
"A profissão é a mesma e com as mesmas despesas"
Foi com um grande agrado que Teresa viu a WSL igualar o valor do prémio monetário entre homens e mulheres mas considera que esse foi só um ponto a riscar da grande lista de afazeres esperando esperançosamente que este passo seja também dado a nível nacional. “Apesar de vários opiniões discordantes com esta decisão, acho que é um excelente passo no sentido da igualdade de género, pecando a meu ver apenas por não ter aumentado o número de surfistas femininas no circuito, a disputarem esses mesmos prémios e a divulgarem ainda mais o surf feminino. Em Portugal, penso que a Liga Meo ainda mantém uma discrepância na premiação monetária, mas prevejo que isto tenderá felizmente a mudar. Um dos princípios da nossa Constituição até é precisamente o de “trabalho igual salário igual”. A profissão é a mesma - tanto eles como elas são surfistas - e com as mesmas despesas para exercerem a sua atividade.”
O caminho das mudanças foi traçado pela existência de modelos que criaram um terreno fértil sem rotundas para voltar para trás, e não tem um ponto final no género feminino, estes progressos podem ser generalizados. O surf que a geração de hoje conhece, nalguns países, e é dado como garantido com a disponibilidade de treinador e ondas filmadas que permitam a correção posterior, é uma realidade que outrora nem via a luz do dia. “Atualmente até já dispõem de determinados benefícios na escola, que lhes facilitam o percurso competitivo (faltas justificadas, testes em datas mais adequadas ou até recurso a homeschooling).”
"Por vezes ainda vejo dentro de água um ou outro comportamento menos próprio"
No entanto, apesar da teoria de igualdade entre géneros estar presente e haver quilómetros de estrada percorridos, a prática nem sempre vai ao seu encontro. “Por vezes ainda vejo dentro de água um ou outro comportamento menos próprio neste campo, tal como um surfista arrancar na onda à frente de uma surfista, partindo do pressuposto que, por ser rapariga, não vai ter capacidade física e/ou técnica para seguir na onda. Por isso, acima de tudo espero que num futuro próximo, este tema da igualdade de género, neste caso no surf, seja um tema obsoleto por já estar completamente ultrapassado.”
O surf pode ser um agente de mudança em várias vertentes e Teresa Abraços anda de mãos dadas com ele
Com alguma sorte conseguimos descobrir num ponto da vida qual é o nosso propósito mas quando todos os caminhos vão dar à integração e combate de desigualdades, não é preciso uma bola de cristal. Teresa foi uma pioneira não só por ser dos primeiros rostos femininos de surf nacionais como conseguiu espremer mais do surf do que limitar-se a surfar, ajudando os outros e abraçando causas, para fazer jus ao apelido que se não foi escolhido a dedo, poderia ter sido. Durante as suas surftrips para África, a ex-campeã nacional fez passear o surf pelas ruas nomeadamente de países em que há disparidades mais acentuadas em géneros. “Tentei dar o meu pequeno contributo no sentido de uma postura mais egualitária nesse campo”.
"Agora é provar que o surf não tem idade!"
Mas o surf pode ser um agente de mudança em várias vertentes e em todas elas o nome de Teresa tem de estar escrito. É voluntária e vice-presidente na SURFaddict – Associação Portuguesa de Surf Adaptado e proporciona a prática do surf de forma gratuita a pessoas com qualquer tipo de limitação, seja ela motora, visual ou cognitiva. “Mudamos a vida não só desses surfistas especiais, mas também das suas famílias, contribuindo também para uma sociedade mais inclusiva e menos preconceituosa. Tudo isto é extremamente gratificante e até nós, voluntários, acabamos por sair transformados”
Em termos genéricos, excluindo a cultura havaiana da equação, a questão de género deu parte do lugar à questão etária. “Agora é provar que o surf não tem idade! Não é por já termos alguns cabelos brancos que devemos pôr a prancha de lado”
Mas quanto a isso ninguém duvida que Teresa não irá reformar-se do surf nem divorciar-se da prancha sobretudo porque contrariar tendências é a sua tendência.
Por Catarina Brazão