Bernardo Seabra é um master surfista que costuma frequentar os tubos Indonésios Bernardo Seabra é um master surfista que costuma frequentar os tubos Indonésios Gonçalo Ruivo quinta-feira, 20 agosto 2020 11:32

"O maior problema cultural do surf português é a história do surf nunca ter sido contada" - Bernardo Seabra

Uma entrevista exclusiva sobre o estado da Cultura do Surf em Portugal com Bernardo Seabra ex surfista competidor...

 

 

Com a massificação da arte de deslizar nas ondas em cima de uma prancha tem-se vindo a verificar uma tendência para aligeirar o seu conceito, tornando o surf em apenas um desporto, coisa que o surf não é só.

A imprensa especializada e os principais agentes do surf têm aqui um papel fundamental na preservação e divulgação da história e cultura do surf, passando-a com eficácia de geração em geração, por forma a manter as bases sólidas de uma pirâmide que representa em todo o mundo mais de 30 milhões de praticantes e uma Indústria em crescimento.

 

A Surftotal tem estado à conversa com as mais diversas personalidades da história do surf nacional e internacional que nos têm vindo a deixar o seu testemunho e opinião sobre a situação actual da história e cultura do surf.

 

Tem a palavra Bernardo Seabra ex surfista competidor e ex patrocinado pela Marca Billabong.

 

 

 

 

"o maior problema cultural do surf português

 

na minha opinião

 

é a história do surf nunca ter sido contada..."

 

 

 

 

Bernardo Seabra a desfrutar de toda a liberdade que o Oceano permite. Aqui nas Mentawai ( Click por Gonçalo Ruivo)

 

Surftotal: A cultura do surf tornou-se um alicerce sobre o qual o surf como desporto e estilo de vida se baseou. A sua importância em preservar o culto, assim como o mercado, tem sido evidente. Estás de acordo com esta afirmação?

Bernardo Seabra: A geração de 70 e inícios de 80, a cultura do surf não é um movimento que parou no tempo ou que está implícito a uma geração ou a uma época, a cultura vai-se fazendo, é um processo contínuo, mas o maior problema cultural do surf português na minha opinião é a história do surf nunca ter sido contada, a geração do Paulo Inocentes, Miguel e Gonçalo Ruivo, Faneca, Pirujo, Miguel e Tó Vieira, Nick, Janita, Zézinho, Pi, Narciso, Abílio, Rui Ribeiro entre tantos outros é uma geração esquecida, foram eles que tornaram tudo o que se vive neste momento possível, eram grandes surfistas com uma forma muito própria de estar e que não haja dúvida a cultura do surf nacional nasceu com eles. E depois há o Nuno Jonet que é intemporal, é transversal no tempo, claramente são eles a base da cultura do surf nacional.

 

 

 

 

"Os surfistas que melhor vendem a imagem do surf nacional

 

são indiscutivelmente

 

 Nicolau Von Rupp e Frederico Morais..."

 

 

 

 


 
Surftotal: Tu que foste um competidor nos anos oitenta e patrocinado por uma das grandes marcas da Industria do Surf, conta-nos, como era o relacionamento com as marcas na altura? Como sentias que influenciavas os fãs do mercado do surf(potenciais compradores de artigos tecnicos e vestuário)?


Bernardo Seabra: O relacionamento que tive com a Billabong foi mesmo marcante e influenciou a minha maneira de ver o surf até hoje, o Alex Oliveira teve a arte de a trazer para Portugal e o Paulo Martins “ Pescas” o engenho de a desenvolver através da Despomar, a nível internacional foi a primeira marca a investir em surfistas que não competiam como o Ronnie Burns, filmes como o “PUMP” ajudaram a projetar a imagem da Billabong de forma distinta das outras que procuravam um retorno económico imediato, a estratégia da Billabong na altura foi muito inteligente e autêntica porque a maior parte dos surfistas revia-se nessa filosofia mais “soul” sem descurar o lado comercial e a Billabong interpretou muito bem esse “mix” e depois patrocinou os surfistas lá fora que mais aprecio como o Occy ou Luke Egan , respondendo á questão não sinto que eu tenha influenciado ninguém pelo menos não tenho consciência disso, mas sinto de forma clara que foi a Billabong que me influenciou a mim, em Portugal também patrocinava os melhores como o Dapin de longe o melhor na altura e o Rodrigo Herédia mas também surfistas mais “soul” como o Miguel Ruivo e Tiago Oliveira na época grandes competidores e o Miguel Fortes na versão mais pura de free surf e depois havia a Maria Marques uma segunda mãe, a alma Billabong era ela. Foi uma sorte e um privilégio poder fazer parte desta família que tinha um comportamento atípico perante as outras marcas, tenho uma gratidão e consideração muito grande pelo Alex Oliveira por tudo o que vivi nesses tempos.

 

 

 

 

 

"Sinto de forma clara que foi a Billabong

 

que me influenciou a mim..."

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Surftotal: Há na tua opinião um surfista profissional em Portugal que sintas que a sua imagem de facto venda mais do que qualquer outro sendo isso uma mais valia para o Surf e para a sua Industria? Podes nomear mais do que um se assim achares bem.

Bernardo Seabra: Não posso deixar de referenciar dois “profissionais surfistas” no momento que seguram o desenvolvimento do surf nacional e são eles os maiores “vendedores do produto surf em Portugal” dando uma projeção ao surf nacional nunca antes imaginada, Francisco Rodrigues através da ANS e Francisco Spínola pela WSL, ambos são da mesma geração muito competentes e surfistas de alma mas com sentido político necessário para agregar forças enquanto eles por lá andarem o surf português está bem entregue mas agora respondendo mais diretamente á pergunta e invertendo as palavras os “surfistas profissionais” que melhor vendem a imagem do surf nacional são indiscutivelmente o Nicolau Von Ruup e o Frederico Morais.

 

 

 

 

"Tenho uma gratidão e consideração muito grande

 

pelo Alex Oliveira por tudo o que vivi nesses tempos...."

 

 

 


 

 

 

 

Surftotal: E a nível Internacional, quem são de facto os principais embaixadores do surf e da sua industria?

Bernardo Seabra: A industria está a passar por uma crise sem precedentes mas a responsabilidade veio da má gestão dos seus profissionais e da massificação do surfwear eu pessoalmente não acredito numa industria sustentada por profissionais não surfistas, as marcas são como o turismo ou vendemos um produto massificado só a pensar no lucro ou vendemos um produto com autenticidade e criatividade para um mercado mais conhecedor e restrito, nos anos 70 os grandes embaixadores eram os responsáveis das marcas para além dos surfistas como ShaunTomson, Mark Richards, Wayne Bartholomew e Peter Towned eram os empresários/surfistas Jeff Hakman na Quiksilver e Gordon Merchant da Billabong, eles  viviam o surf por dentro, curiosamente a Billabong nos anos 70 ficou famosa pelas suas bermudas mas já na época patrocinava eventos de surf não pelo retorno financeiro mas pela paixão pela modalidade. Neste momento os grandes embaixadores da indústria limitam-se a ser os surfistas  Mick Fanning, John John Florence, Ítalo Ferreira, Kelly Slater, Stephanie Guilmore são eles o porta estandarte da industria do surf pelo exemplo que dão dentro e fora d´água.

 

 

 

 

 

"A industria de Vestuário de surf está a passar por uma crise sem precedentes

 

mas a responsabilidade veio da má gestão dos seus profissionais

 

e da massificação do surfwear..."

 

 

 

 

 

 

 

Surftotal: Qual na tua opinião a maior influência na cultura e desenvolvimento do surf português? A Influência anglosaxonica ( Australia, USA, etc) ou outras? Porquê?


Bernardo Seabra: A identidade do surf nacional começou logo a ser trilhada nos anos 70 as influências australianas e americanas surgiram na época através dos “bifes” viajantes com as suas carrinhas pão de forma que deixavam de forma generosa pranchas e fatos XXL para a comunidade de surfistas que começava a despertar e depois não havia revistas nacionais, as influências vinham da Surfer e Surfing Magazine ambas fundadas nos anos 60 que para além das belíssimas fotografias de Jeff Divine que eram recortadas e colocadas nas paredes dos quartos e retinham histórias e reportagens extraordinárias. Já agora apenas um á parte, tenho um enorme respeito pelos fotógrafos de surf nacionais como Ricardo Bravo, João Valente, Brek, Carlos Pinto, André Carvalho, Pedro Mestre entre outros no fundo são eles com sua sensibilidade artística através das suas lentes que vão contando e testemunhando a história do surf nacional. A partir de meados dos anos 80 coincide com o surgimento da SurfPortugal aí já se vê alguma influência da cultura brasileira e do seu espírito competitivo, revistas como a Visual Esportivo e Fluir começaram também a ser distribuídas em Portugal.

Essa geração da qual faço parte viveu a fase da transição para o surf profissional, começaram a surgir várias marcas no mercado, prémios em dinheiro e campeonatos de forma regular. Nos anos 90 com a globalização as diferenças de culturas entre países foram atenuadas, ficaram mais próximas umas das outras, mas a cultura do surf hawaiana e australiana têm identidades muito próprias e que abrangem toda a sociedade e isso faz toda a diferença, pela sua história e capacidade de transmitir os seus valores ás gerações futuras serão sempre as minhas culturas de referência.
 

 

 

 

 "O que tornou o surf vulgar foi simplificá-lo

 

apenas a um desporto de fácil acesso..."

 

 

 

 

 

 
Surftotal: Vulgarizou-se na tua opinião a imagem do surf? O que a Industria pode ganhar com isso? o que pode perder com isso?

Bernardo Seabra: A imagem do surf não se tornou vulgar apenas desenvolveu-se e dentro dele começaram a existir várias formas diferentes de estar, isso por si só não é negativo são efeitos do desenvolvimento. Mas perdeu-se alguma autenticidade. O que tornou o surf vulgar foi simplificá-lo apenas a um desporto de fácil acesso sem grandes sacrifícios e onde a sua componente metafísica para alguns deixou de existir por outro lado a obcecação dos pais pela competição em idades precoces retira o prazer e a diversão gerando falsas expectativas nos miúdos, Tom Blake referia que sem resiliência, espiritualidade e instinto o surf era banal, essa afirmação não poderia ser mais atual. Se a indústria explorar estas três vertentes mais autênticas juntando obviamente o lado comercial teria com certeza outros resultados, só para dar um exemplo os surfistas portugueses profissionais de ondas grandes retêm claramente estas três vertentes e têm apoios miseráveis da indústria, como é possível? e já nem falo dos free ou soul surfers, os próprios competidores estão nas lonas, a indústria deixou de acreditar no surfistas e virou-se para o consumidor que não faz surf e a preços bastante elevados, os resultados negativos e o vazio da sua comunicação são apenas uma consequência disso mesmo.

 

 

 

 

"A identidade do surf nacional começou logo a ser trilhada nos anos 70

 

as influências australianas e americanas..."

 

 

 

 


Surftotal: As Redes sociais são uma alavancagem na divulgação do surf e sua cultura ou estão a deformar ou alterar de alguma maneira?

Bernardo Seabra: As redes sociais não deformam a cultura apenas transformam-na, são de certa forma ferramentas promocionais e se forem bem usadas pelos atletas, empresários, surfcamps, escolas, lojas e todo o universo que abrange o surf podem trazer grandes benefícios por outro lado é uma forma de podermos conhecer melhor o lado pessoal dos surfistas que admiramos e de lugares e alojamentos que procuramos, a questão é de como utilizamos as redes sociais, elas por si só não são maléficas à cultura do surf. Mas há claramente um lado das redes sociais se mal utilizado que não é real onde o parecer vale mais que o ser, retirando o mérito a quem o tem e valoriza muitas vezes quem não merece. Para além disso quando usada em excesso há uma insaciabilidade tecnológica que gera uma distância e ausência da vida real, o surf na sua plenitude é exatamente o oposto, no oceano aprendemos que precisamos de pouco para sermos felizes, haverá maior privilégio do que irmos em busca do menos perante o mais?

 

 


Surftotal: Um livro que consideres como uma biblia do surf e de leitura quase obrigatória?

Bernardo Seabra: Um livro imperdível para mim é o “ Voice of the Atom” de Tom Blake, mais do que de surf fala do oceano e de todos os benefícios metafísicos que retiramos dele, sem o oceano fisicamente não podemos surfar e conscientes disso ou não, é o Oceano que nos dá tudo! não há sentimento no Oceano mas há uma necessidade plena em estarmos perto dele e desfrutar duma imensidão de benefícios que ele nos dá.

 

 

 

 

 

"Tom Blake referia que sem resiliência, espiritualidade e instinto o surf era banal,

 

essa afirmação não poderia ser mais atual..."

 

 

 

 
Algo mais a dizer?


Por fim gostava de recordar todos os surfistas anónimos, aqueles que não aparecem nos media, nos campeonatos nem em lado nenhum, aqueles que vivem longe da praia ou que trabalham no duro para sustentar as suas famílias ou os surfistas que estão próximos do mar e que vivem da pesca da restauração do hostel ou da escola de surf para estarem mais próximos das ondas, ou aqueles que “driblam” as obrigações da vida e são apenas uns vagabundos do mar ou ainda aqueles locais surfistas que procuram preservar a sua praia, muitos deles vivem e transpiram surf duma forma apaixonada, fazendo com mais ou menos frequência respiram surf e o melhor surfista será sempre o mais apaixonado e o que mais se diverte e neste universo anónimo, há muitos assim.

 

*Todas as fotos por Gonçalo Ruivo

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