“O crescimento das escolas de surf tem sido enorme e está em consonância com o aumento do Turismo”
Crescimento das Escolas de Surf em Portugal é o assunto…
O tema é polémico e pode dar azo a comentários mais fervorosos, mas a verdade é que o verão está à porta e muitas das praias portuguesas já se encontram “à pinha”. Com a crescente popularidade do Surf e do Turismo, que por sua vez tem levado ao crescimento desenfreado das escolas de surf, de norte a sul, já se adivinha o que por aí vem: uma enorme confusão e line ups superlotados.
Ora, por que o problema não pode cair no vazio, não desaparece por si só e o espaço não é infinito, resolvemos abrir espaço a uma série de duas entrevistas muito especiais que visam, principalmente, esclarecer sobre os critérios e quem tem competência para atribuir as licenças às escolas de surf, efetuar a devida fiscalização e, em última instância, atuar em conformidade.
A primeira entrevista centrou-se na Federação Portuguesa de Surf e foi gentilmente respondida por João Jardim Aranha, o presidente em funções desde 2013.
Surftotal: O crescimento das escolas de surf tem sido enorme e está em consonância com o aumento do turismo em Portugal. No entanto, algumas praias e spots começam a ficar lotados. Como se lida com esta situação?
João Aranha: Toda a temática relacionada com o uso e saturação de praias via Escolas de Surf, prende-se com quem tem a responsabilidade sobre as mesmas, neste caso o órgão máximo são as Capitanias. A FPS tem estado reunida com a DGAM, entidade que tem essas competências. Além disso, também o Turismo de Portugal está atento e interessado nesta questão, uma vez que são parte interessada e que pode intervir a determinado limite. Mas, no final, a Autoridade Marítima Nacional é o órgão que tem a responsabilidade. Nas reuniões havidas, constatamos que estão bastante atentos e procuram, com a participação das organizações que consideram relevantes, encontrar soluções.
Obviamente é uma questão bastante complicada em que não existem soluções ótimas que possam agradar a todos os intervenientes. Basta analisar o território e a forma como se organiza, ou mesmo a relação número de escolas/praia para entender que o problema não tem uma solução ótima comum, tendo de ser encontradas soluções de equilíbrio.
Quem é a entidade responsável por passar licenças às escolas de surf?
Existem várias entidades, de acordo com o tipo de licença necessária que têm a ver com os serviços prestados (Capitanias, FPS, ASAE). No caso de se inscreverem como empresas marítimo-turísticas, ainda necessitam da licença do Turismo de Portugal.
“(…) a própria FPS está a lançar um projeto de
certificação de qualidade das escolas de surf"
De que forma se está a pensar na sustentabilidade deste setor?
Na nossa opinião, os mercados têm a tendência de se autorregular e de se disciplinar. No caso das escolas, acreditamos que será um filtro natural, em que as que tenham qualidade suplantam as que não têm. Por outro lado, a própria FPS está a lançar um projeto de certificação de qualidade das escolas de surf, em que esperamos contribuir para o mercado. É algo que existe em alguns países e que achamos ser fundamental de implementar em Portugal.
Qual o critério para passar uma licença a uma escola? Vamos imaginar que, por exemplo, na Praia de Carcavelos, onde já existem muitas escolas a operar, eram solicitadas mais 10 licenças. Não fazendo sentido, isso é possível?
Da parte da FPS, devido ao texto das leis aplicáveis, nada se pode fazer, ou seja, não temos qualquer argumento legal que nos dê essa capacidade. É algo que apenas as próprias Capitanias podem, ou não fazer. O que temos vindo a assistir e as reuniões que temos tido ao mais alto nível com a Marinha, demonstram que estão bastante atentos ao problema e que estão a fazer os possíveis, mesmo atendendo à disparidade dos casos existentes, para resolver as questões relacionadas com as escolas.
Existe um estudo ou sabe-se qual a capacidade de cada zona do país? Ou a análise é feita "a olho”?
Que nós saibamos, não existe qualquer estudo e as Capitanias decidem com base na experiência e no terreno. Por vezes, algumas até auscultam os operadores e entidades locais de modo a tentar ser os mais corretos possível. Outros há que tomam decisões que englobam situações relativas a Treinadores contrárias à lei em vigor.
Existem alguns projetos em fase de implementação que poderão contribuir para ajudar a ter uma visão mais abrangente e onde se propõe uma forma de calcular o valor de carga de grande número de praias, bem como a atribuição de um grau de dificuldade, associado ao nível dos praticantes que podem frequentar essa praia. Existe um que foi já pré-aprovado pelo Turismo de Portugal e que se espera estar no terreno ainda este ano. Este projeto terá o apoio da Marinha Portuguesa.
“(…) as reuniões que temos tido ao mais alto nível com a Marinha,
demonstram que estão bastante atentos ao problema"
A quem corresponde a responsabilidade de fiscalizar no local se estas têm tudo em ordem para operar, se estão a cumprir as regras, etc.?
A fiscalização é feita pelas autoridades competentes, Capitanias e ASAE. Poderá haver também vistorias da parte do IPDJ. Qualquer ação de fiscalização apenas pode ser realizada pelas entidades com competências para o fazer, não é o caso da FPS, por exemplo.
Pelas características de alguns spots, não deveriam as aulas de surf ser interditas em algumas zonas?
Essa é uma matéria extremamente sensível por entrar nos aspetos de liberdade e de circulação, em virtude de a praia ser um local publico, embora com algumas regras de utilização. Na minha opinião pessoal, sim, por uma questão de segurança e de respeito, deveria haver spots interditos a escolas. Embora aqui entrem fatores complicados de gerir. Quem decide? Quem controla? Quais as motivações inerentes?
Por isso tem a FPS prevista uma classificação das praias, de forma a associar o nível exigido aos praticantes, para poderem frequentar a praia em segurança. A partir daí será possível fazer uma informação para cada local, de forma a que os utilizadores decidam em consciência se devem ou não entrar no mar.
Vamos imaginar, por exemplo, um outro cenário: um surfista entra numa praia superlotada com escolas de surf, algo típico no período de verão, e leva com uma prancha de um aluno ficando gravemente ferido ou podendo até morrer. De quem é a culpa? Que medidas estão previstas neste caso?
Não querendo culpabilizar, uma vez que se acredita ser um lamentável acidente, será quase sempre da Escola do Aluno a responsabilidade e deverão ter a atividade coberta por seguros de responsabilidade civil e acidentes pessoais. Neste caso colocado seria de responsabilidade civil e deveria ser ativada de imediato a apólice correspondente.
No caso das escolas registadas na FPS, esse é um requisito de entrada, ou seja, quando uma escola se inscreve são pedidas as apólices ou comprovativos de seguros.
“(…) por uma questão de segurança e de respeito,
deveria haver spots interditos a escolas"
Uma última questão. Quantas escolas no geral, oficiais e não oficiais, existem em Portugal?
Na FPS estão registadas, em 2018, 241 escolas e do que se pode aferir do mercado, podemos tentar projetar que sejam mais de 500 a operar, na sua grande maioria com falhas no processo de legalização da sua atividade. Para que se possa ter uma breve visão da situação atual apresentamos parte de uma análise efetuada pelo Professor Dr. Miguel Moreira, Diretor Técnico da FPS:
Enquadramento das Escolas de Surfing e Empresas de Animação Turística
Março 2018
1. Introdução
O surfing é uma atividade em crescimento visível, verificando-se um aumento do número de Escolas de surfing/Empresas de animação turística associado ao crescente número de praticantes na água, o que está na origem na maior dificuldade de gestão do espaço disponível para estas atividades.
Este documento aborda os conceitos fundamentais, para entendimento do regime legal, sobre as exigências para o funcionamento de uma Escola de Surfing/ Empresa de Animação Turística. Com este resumo das obrigações legais em vigor, procuramos enquadrar a atividade, e facilitar a interpretação das mesmas, pelas diferentes entidades envolvidas.
2. Conceitos Fundamentais
2.1. Atividade de Surfing
O Surfing é a atividade onde se viaja na onda, deslizando na parede em direção à praia. Esta é uma atividade desportiva que, em função dos desafios colocados aos praticantes, tem como principal característica o confronto com a Natureza e como principal particularidade o deslize. Aqui são incluídas várias disciplinas, todas elas enquadradas na FPS, sendo diferenciadas em função da utilização das pranchas e dos seus diferentes tipos: Bodysurfing, Bodyboarding, Kneeboarding, Shortboarding (Surf), Longboarding, Skimboarding, Stand Up Padling (SUP), Tow- in, Tow-out.
Consideramos que todas as disciplinas podem ser encaradas numa perspetiva de lazer, independentemente de ser de uma forma livre ou organizada, ou numa perspetiva de competição, com um quadro competitivo enquadrado pela FPS.
2.2. Treinador de Surfing
Nos termos do Decreto-Lei n.º 40/2012, de 28 de agosto, a “atividade de treinador de desporto compreende o treino e a orientação competitiva de praticantes desportivos, bem como o enquadramento técnico de uma atividade física ou desportiva, exercida:
a) como profissão exclusiva ou principal, auferindo por via dela uma remuneração;
b) de forma habitual, sazonal ou ocasional, independentemente de auferir uma remuneração.”
Ou seja, não restam dúvidas que o típico treinador ou monitor de surfing desenvolve atividade como treinador de desporto, mesmo que o faça apenas em certos meses do ano ou de forma gratuita. Isto significa que quem exerce atividade como treinador ou monitor de surfing tem de obter e manter válida a Cédula de Treinador de Desporto (CTD).
2.3. Aula de surfing
Considera-se aula de surfing, sempre e quando existe uma sessão dirigida (enquadrada tecnicamente), onde são transmitidas informações relativamente ao equipamento, ao mar e às ondas, e relativamente às técnicas, para deslizar nas ondas (podem ser individuais ou em grupo).
2.4. Escolas de Surfing
Consideram-se escolas de Surf, Bodyboarding, Kneeboarding, Longboarding, Skimboarding, Stand Up Paddling (SUP) e Tow in/ Tow out todas as estruturas profissionais ou amadoras pertencentes a pessoas, clubes, autarquias, escolas ou outras Instituições públicas ou privadas onde se proceda ao ensino e/ou treino de Surf, Bodyboarding, Kneeboarding, Longboarding, Skimboarding, Stand Up Paddling (SUP) e Tow in/Tow out.
2.5. Empresas de Animação Turística
O regime de acesso e exercício da atividade das Empresas de Animação Turística, incluindo os operadores Marítimo-Turísticos, encontra-se regulamentado pelo Decreto-Lei n.o 108/2009, de 15 de maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 95/2013, de 19 de julho e pelo Decreto-Lei n.º 186/2015, de 3 de setembro.
Considera-se Empresa de Animação Turística, a pessoa singular ou coletiva que desenvolva com caráter comercial as atividades lúdicas de natureza recreativa, desportiva ou cultural, que se configurem como atividades de turismo de ar livre ou de turismo cultural e que tenham interesse turístico para a região onde se desenvolvam.
2.5.1. Agente de Animação Turística
Nos termos da Lei, é aquela empresa ou empresário em nome individual que tem como atividade a organização e a venda de atividades recreativas, desportivas ou culturais, em meio natural ou em instalações fixas destinadas ao efeito, de carácter lúdico e com interesse turístico para a região em que se desenvolvam.
2.5.2. Operador Marítimo-Turístico
De acordo com o artigo 5.º do DL 108/2009, são operadores marítimo-turísticos as empresas de animação turística “quando pretendam exercer exclusivamente atividades marítimo-turísticas... e apenas podem exercer as atividades previstas no nº 2 do artigo anterior.
3. Análise da situação
De acordo com o Decreto-Lei n.º 40/2012 a atividade de treinador é exercida por quem acompanha as atividades das escolas de surfing ou das empresas de animação turística, e para tal é necessária a Cédula de Treinador de Desporto, independentemente de, em diferentes situações, se verificar que algumas entidades não o estão a exigir.
As escolas de surfing só necessitam de estar registadas na FPS, se procurarem desenvolver atividades regulares, assumindo que procedem ao ensino e/ou treino das disciplinas desportivas da FPS, e se procuram, junto das capitanias, ter licença para exercer a atividade na praia. As empresas de animação turística que procuram, junto das capitanias, ter licença para exercer a atividade na praia, são obrigadas a estar registadas na FPS, por exigência das capitanias.
As empresas de animação turística podem estar registadas enquanto tal, sendo agentes de animação turística e podendo ter nas suas atividades as aulas de surfing. Quando estão registadas como operador marítimo-turístico, não podem ter aulas de surfing, estando apenas permitido o aluguer de material (embora a lei não inclua as pranchas de surf, porque estas não são embarcações, na prática assim é aceite).
As escolas de surfing não necessitam de estar registadas no RNAAT, exceto se alugarem material, e por exigência das capitanias.
As licenças para exercer a atividade têm valores diferentes, em algumas capitanias, e implicam o multiplicar de licenças em função do número de capitanias, de acordo com as praias utilizadas (i.e. no Departamento Marítimo do Centro facilmente se utilizam praias de Lisboa, Cascais e Peniche, obrigando a pagar três licenças).
Decorrente da realidade da maioria das empresas a operar de momento, onde 97% lecionam aulas de surf deve ser considerado apenas o registo, mais abrangente, como Agente de Animação Turística, pondo de parte a possibilidade de registo como Operador Marítimo-Turístico (para que não fiquem em situação ilegal). Este registo deve aplicar-se às escolas de surfing, tal como acontece com as empresas de animação turística.
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A não perder, amanhã, a segunda entrevista exclusiva sobre este tema, com Afonso Teixeira, diretor executivo da Associação de Escolas de Surf de Portugal (AESDP).