Frederico Morais: "Saber perder faz tão parte da competição e da vida como saber ganhar”
A hora e a vez do gladiador português nos contar, em exclusivo, tudo o que se tem passado esta temporada…
Frederico Morais tem vindo a encher a nação lusa de orgulho. O último feito que conseguiu, o vice-campeonato em Jeffreys Bay, a última etapa do World Tour a ter sido realizada, foi absolutamente histórico e tão cedo não será esquecido. Foi o primeiro português a alcançar uma final do circuito mundial, mas até lá chegar registou o seu primeiro 10 na WSL, eliminou campeões mundiais e aproveitou para pular para o 12.º lugar do ranking.
Surftotal: Com o aproximar do meio de época, que balanço fazes até ao momento no World Tour?
Frederico Morais: Até agora o balanço é definitivamente positivo. Foi uma boa primeira metade do ano, em termos de resultados e sobretudo de aprendizagem. Estou muito satisfeito com o surf que tenho vindo a apresentar, apesar de saber que o trabalho e o treino não acabam e que há sempre mais espaço para melhorar.
Fala-nos um pouco sobre o quinto lugar obtido em Bells Beach, até ao momento o segundo melhor da temporada. Tudo pareceu correr bem nessa etapa. Foi a etapa em que te sentiste mais à-vontade?
FM: Foi uma boa etapa, é uma onda na qual me sinto muito à-vontade. Eu acreditava que a perna australiana era uma boa oportunidade para conseguir um bom resultado e felizmente aconteceu. O mar esteve muito bom durante todo o período do campeonato, as pranchas estavam todas a andar muito bem e as coisas acabaram por acontecer. Vários fatores confluíram e acabei por conseguir demonstrar o resultado de todo o trabalho feito durante a pré-época e de alguma aprendizagem ganha nas duas primeiras etapas.
"Estou muito satisfeito com o surf que tenho vindo a apresentar"
O teu afastamento em Saquarema (Brasil) não foi muito consensual. A opinião generalizada é de que houve uma sobreavaliação da última onda de Julian Wilson - que pôs o resultado a seu favor por 0.10 pontos. Sentes que, de alguma forma, as coisas poderiam ter corrido de outra forma?
Eu acredito que tinha merecido a vitória nesse heat e depois de ver o "heat analyzer" continuo a manter a minha opinião, mas a verdade é que quem decide são os juízes e há sempre uma margem para algum subjetivismo na análise dos critérios de julgamento de surf, por isso, tenho de respeitar a decisão e tentar que nas próximas vezes o meu surf não deixe margem para dúvidas.
Depois de uma importante vitória no Round 1 do Fiji Pro, o afastamento no Round 3 acabou por deixar um gostinho amargo. Que dirias que correu mal? Já agora, que tipo de onda é Cloudbreak?
Cloudbreak é uma onda muito difícil, mesmo complicada, difícil de ler o que vai oferecer e isso torna a escolha de ondas muito difícil e decisiva na vitória de um heat. É também uma onda à qual não estava habituado, apesar de no início do ano ter ido lá surfar três dias, para tentar perceber o tipo de onda que é. Nesses dias tive sorte porque o mar estava bem divertido, mas durante o campeonato esteve bem diferente. Muito maior e a cada heat parecia que mudava. Nada era bem claro, as condições alteravam-se constantemente e se parecia que estava a dar uns tubos, no heat a seguir só dava para manobras. Gostava de ter conseguido mais, mas gostei da onda, porque tem nela um desafio por ser tão imprevisível. Nada como voltar e treiná-la mais vezes para me habituar. Para alguns dos “rookies" estas ondas do tour são novidade.
“(…) gostei da onda [Cloudbreak],
porque tem nela um desafio por ser tão imprevisível"
Seguiu-se Jeffreys Bay que em tempos referiste ser uma das etapas em que mais ambicionavas participar. De que forma a preparaste?
A preparação continuou a mesma que tenho vindo a fazer. Tenho um programa de treino bem definido e completo. Jeffreys é, de facto, uma das etapas que mais me entusiasma no tour, é uma onda que adoro mas que só o ano passado é que tive oportunidade de a surfar pela primeira vez, mas nesse primeiro contacto não ficou logo uma das minhas ondas de eleição.
Após a incrível prestação na África do Sul, que culminou num histórico 2.º lugar, como tem sido gerir as solicitações dos media? E as pessoas que te encontram na rua? Tem sido muito diferente do que acontecia antes?
Tem sido um pouco diferente, mas tem sito ótimo. As pessoas reconhecem-me mais, querem tirar fotografias, dão-me os parabéns. É muito gratificante. A imprensa também! A única diferença é que tenho mesmo muito pouco tempo. Venho a Portugal três a quatro dias, não dá para tudo, mas é mesmo muito importante sentir este apoio todo.
- Kikas a deixar a sua marca nas emblemáticas direitas de Jeffreys. Foto: Pierre Tostee/WSL
Por norma, és um surfista muito consistente e sólido que acaba por ser afastado, quase sempre, com scores bem altos. Algo que não é muito comum. Uma coisa é surfar mal e ser eliminado, mas surfar bem e não atingir os objetivos deixa marca. Psicologicamente, como se ultrapassa isso?
Custa-me mais quando me acontece surfar mal e perco o heat, do que fazer um bom heat e perder. No fim do dia se nós demos tudo o que tínhamos, fizemos um bom surf e o adversário ganhou, a nós só nos cabe dar-lhe os parabéns e treinar mais, para tentar fazer ainda melhor. Se surfarmos bem, sentimo-nos bem com nós próprios, porque sabemos que fizemos o melhor possível. Se o outro ainda foi melhor torna-se uma referência, uma aprendizagem e isso é positivo. É claro que é sempre difícil gerir uma derrota, mas é preciso racionalizar e seguir em frente. Saber perder faz tão parte da competição e da vida como saber ganhar. O importante é dar a volta por cima, aprender para melhorar.
“[No World Tour] temos de estar sempre preparados
para surfar e competir ao mais alto nível"
O Richard “Dog" Marsh ajudou-te a chegar a um patamar mais alto no teu surf. Isso passa apenas por treinar fisicamente e tecnicamente? Ou é muito mais do que isso?
É um conjunto de diferentes fatores, este é um trabalho que temos vindo a fazer há anos. Sempre traçámos objetivos e trabalhamos para esses objetivos, e trabalhamos quer fisicamente, quer tecnicamente. Em treino, em campeonatos... É um todo.
Qual a onda que gostaste mais de fazer no WT esta temporada? Porquê?
Não sei, essa é uma pergunta difícil, mas talvez tenha sido a do meu 9.20 com o Julian [Wilson] no Brasil. Ele tinha o heat muito bem controlado, tinha começado forte e estava a gerir bem o heat e para mim as coisas estavam a ficar bem difíceis. Não havia muitas ondas com qualidade e potencial para grandes scores. mas eu soube aguentar bem a prioridade e com calma esperei por uma onda maior. Aproveitei-a da melhor forma, o que me fez saltar para a liderança. Acho que foi um bom exemplo de como lidar com os nervos e, acima de tudo, acreditar, sempre, até ao fim. Apesar de ter perdido, foi um grande heat.
Ainda faltam muitas etapas, mas manténs o objetivo de requalificação via CT?
Sim, claro que a requalificação é o meu objetivo.
Até ao momento, qual dirias que é a principal lição a retirar desta experiência no World Tour?
Nenhum heat é garantido até acabar, em segundos podemos passar de primeiro a segundo, o nível é muito alto e temos de estar sempre preparados para surfar e competir ao mais alto nível, em cada heat, em cada minuto do heat.
"Saber perder faz tão parte da competição e da vida
como saber ganhar. O importante é dar a volta por cima”
- Frederico Morais e Richard Marsh, uma dupla que tem vindo a dar resultados extremamente positivos. Foto: Steve Sherman/WSL
Segue-se uma estreia em Teahupoo. Tens feito alguma preparação especial para esta sétima etapa do CT?
Nunca surfei em Teahupoo e isso, claramente, é uma desvantagem. Mas estando a correr algumas etapas dos circuitos QS e WT é muito difícil arranjar tempo para viagens de treino. Vou direto do US Open of Surfing (+ info aqui) para o Taiti e tentar aproveitar para conhecer o sitio, as ondas e adaptar-me rapidamente às condições.
Última questão, já que falas nisso. Viagens de free surf para quando?
Não para tão cedo! Agora é circuito, foco total, alguns WQS pelo meio, free surf é nos treinos!
Boa sorte Kikas!
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