DAPIN: “O OBJETIVO QUE DEFINI FOI UM DIA PODER SER SURFISTA PROFISSIONAL”
Fomos falar com uma das maiores referências de sempre do Surf português…
João Alexandre “Dapin” é uma das maiores referências de todos os tempos do Surf português. O icónico surfista da Linha tem uma carreira rica em resultados desportivos e excelentes performances. No início dos anos 90, foi um dos poucos a ir viver para a Austrália atrás do sonho de se tornar profissional de surf. Como ele até hoje não houve mais nenhum. Aproveita o momento e confere mais um exclusivo com o selo Surftotal.
Com que idade começaste a surfar e como é que tudo começou?
Comecei com uma prancha de esferovite aos 8 anos e, depois, aos 11 anos, deu-se o clique. Curiosamente já punha autocolantes na prancha de esferovite, mas como eles se descolavam... trocava de patrocínios quase todos os dias. E assim continuei.
Foste o melhor surfista da tua geração. Sentes que poderias ter ido mais longe? O que faltou para vingares a nível internacional?
Desde o início, o objetivo que eu defini para mim foi um dia poder surfar como os pros internacionais e ser um surfista profissional, o que já na altura era um absurdo pensar. Portanto, não havia apoios para fazer o circuito mundial na íntegra.
“O objetivo que eu defini para mim foi um dia poder surfar
como os pros internacionais e ser um surfista profissional"
Sinto em ti uma raiva interior a surfar. Consegues descrever de onde vinha essa tua energia mais rebelde?
Essa tal “raiva” pode ter sido uma resposta à rotulagem constante que a sociedade me fazia: numa época fui “marginal”, noutra fui “rasca” e noutra “parasita da sociedade”. Contudo, isso foi uma guerra que eu ganhei: sou bem formado, com os valores certos e agora até querem que o Surf seja o motor económico de salvação do país.
Quem foi a tua grande referência quando começaste a surfar?
Tive como referência para evoluir uma cassete de vídeo que o Nuno Jonet me deu em 1984. E foi por aí que eu aprendi. No vídeo entravam todos os que faziam o circuito nessa altura, cerca de 40 surfistas...
Consegues descrever como era o surf nessa época?
Era semi-profissional. Havia muitas provas pelo mundo inteiro que se faziam só no verão, sempre com ondulações pequenas e típicas dessa estação. Os prémios e os apoios, de uma forma geral, eram precários. Era tudo muito recente. Por cá, o surf estava numa fase embrionária… enfim, de um embrião que ainda não existia.
Quem são os surfistas da atualidade que mais aprecias?
Gosto de todos aqueles que conseguem encadear qualquer tipo de manobra, aérea ou não, nas ondas, sem quebrar a linha e sem perder o estilo. Passo várias vezes pelo Instagram, até vejo boas fotos de surf, mas quando vejo os vídeos, não parece o mesmo surfista.
Como avalias a entrada do Frederico Morais no WCT? O que pensas que ele pode fazer?
Acho excelente ele ter entrado. E pelo que vi no Havai este ano, acho que tem potencial para estar consistentemente no top 10. Assim como acho que o Vasco [Ribeiro] vai entrar no próximo ano e seria bom se o Nicolau [von Rupp] também conseguisse entrar. Este último, principalmente, podia adaptar-se bem às ondas de consequência.
Ainda costumas surfar com regularidade?
Sim, com muita regularidade. É um bem que eu considero um luxo, principalmente hoje em dia com a qualidade do material existente. Antes, para se ter uma prancha que tivesse manobra e fosse rápida, comprometia-se a estabilidade e vice-versa. Era difícil conseguir conjugar estes três factores numa só prancha. A evolução técnica dos shapes fez com que isso fosse possível. Assim como as marcas de roupa, como a ideologia do lifestyle alterou e, neste momento, as pessoas preferem ir para dentro de água do que andar a passear com roupa de surf, tiveram que desenvolver o material técnico. Neste momento, ando a surfar com um fato incrível da Vissla, é um 5/4, veste como um 3/2 e tem um comportamento na onda de um 4/3! É quente como tudo!
“Acho que [Frederico Morais] tem potencial para estar consistentemente no top 10.
Assim como acho que o Vasco [Ribeiro] vai entrar no próximo ano"
Foste o primeiro surfista português a ir viver lá para fora, na Austrália. Que influência teve essa experiência na tua vida como atleta e como pessoa?
Em '86, houve quatro campeonatos em Portugal e eu ganhei os quatro. Achei que estava a estagnar e precisava de mais qualquer coisa, precisava de uma injecção de qualidade técnica no surf e acho que foi isso que consegui ir buscar à Austrália. Ganhei um campeonato em Queensland e arranjei patrocínio da Rip Curl, de uma surf shop, de uma marca de roupas Redz Ragz. Puseram-me no team do Kirra Surf Club para ter viagens de graça e acabei a correr o PSAA (circuito australiano). E o resto foi evoluir de todas as maneiras e feitios.
Por último, que achas da inclusão do Surf nos Jogos Olímpicos?
Na minha opinião, os desportos dos Jogos Olímpicos deviam ser todos revistos. Muitos deles estão desatualizados e são obsoletos. Não consigo imaginar ninguém a ficar quatro horas a ver um indivíduo a lançar um disco, uma seta ou uma bola. Acho que há uma quantidade de desportos novos como o Skate, Bmx, Bodyboard, Kitesurf e Windsurf nas ondas que deviam ser integrados nas Olimpíadas, aproveitando depois as estruturas para fins turísticos.
"[Surfar] É um bem que eu considero um luxo,
principalmente hoje em dia com a qualidade do material existente"
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Entrevista: Bernardo “Giló” Seabra.