Um julgamento justo na final disputada entre dois tipos 'porreiros' em El Salvador WSL / Nolan segunda-feira, 20 junho 2022 12:49

Um julgamento justo na final disputada entre dois tipos 'porreiros' em El Salvador

O juíz internacional Pedro Barbosa faz uma análise exclusiva à Surftotal da sétima etapa do CT 2022, em El Salvador.

 

 

El Salvador, a tão aguardada prova na América Central acabou por ficar aquém das expectativas em termos de qualidade de ondas. Ainda não foi desta que tivemos um evento de classe mundial - parece que os deuses do mar não estão a colaborar com a World Surf League neste último ano e acabámos por ter mais um evento sofrível no que ao surf diz respeito. No entanto, tivemos uns quartos de final de luxo. Se retiramos a etapa de Pipe, estes foram os quatro heats mais interessantes do ano em termos de performance e competitividade.

 

Relativamente à performance, pontos a destacar:

 

 - Notei uma desaceleração na competitividade dos heats. Espero que não seja o reverso da medalha do corte a meio do ano, mas parece que alguns já estão demasiado confortáveis com o facto de estarem garantidos para o próximo ano.

 

- Apesar de ter chegado às meias-finais, fiquei algo dececionado com o surf de Gabriel Medina. O seu backside não estava a encaixar bem com as contorcidas ondas de Punta Roca. Medina é sempre Medina, consegue conciliar aéreos com manobras de alto impacto, no entanto, teve desequilíbrios na finalização das manobras, bem como pouca fluidez entre as mesmas. Foi algo que não estava à espera e que não é normal no seu surf.

 

- Confirmou-se o que já vínhamos a constatar há algum tempo. As grandes prestações ficaram a cargo da dupla americana/ “nipónica”, Griffin Colapinto e Kanoa Igarashi juntamente com Filipe Toledo. Estes foram os 3 melhores surfistas do evento. Ninguém conciliou tão bem o surf de rail com o surf progressivo como estes 3 atletas, especialmente Toledo Colapinto. O que fizeram nas fases finais com um mar extremamente difícil foi do melhor que se viu nos últimos tempos. É impressionante o que estes dois conseguiram fazer num mar difícil e desordenado. Surf progressivo, de elevada qualidade, conciliado com um surf de rail irrepreensível elevou-os a um patamar que deixou os crónicos Medina e Ítalo a apoiar o seu compatriota, mas desta vez na bancada. Parece que estamos a atravessar uma fase do render da guarda.

 

- Salientar também a união que existe entre a elite do surf brasileiro e como é bonito de se ver este apoio incondicional entre atletas em disputa direta do título mundial. Um exemplo para qualquer desporto que se pratica a nível mundial. Como tem vindo a ser exposto, não é tudo um mar de rosas na carreira destes atletas. A forma como o time brasileiro reage às adversidades é de se tirar o chapéu e uma lição para todas as nações do mundo!

 

- A Rainha Steph voltou a vencer com muita categoria. A classe e qualidade com que surfa point breaks de direita, em dias em que está inspirada, continua a ser a referência no surf mundial. Nesta prova a diferença para as adversárias foi considerável, com algumas desculpas esfarrapadas destas, a indicar de que se deveria esperar pela tarde e por uma acalmia do vento. Acho que não faria qualquer diferença no resultado final!

 

- Tivemos uma final masculina entre dois “good blokes”. A descontração e leveza que têm na sua forma de estar e competir, inclusivamente com direito a claims, cheios de originalidade na final, trazem também uma nova magia que muita falta faz ao surf moderno.

 

 

 

Stephanie Gilmore. WSL / Nolan

 

 

 

Relativamente ao julgamento:

 

Antes de comentar o resultado final queria deixar aqui algumas notas.

- Hoje em dia no julgamento da World Surf League existe uma máxima de que o mais importante é chegar ao resultado correto: “get the right result”. Em termos práticos o que isto significa é que os somatórios das duas melhores ondas de cada atleta correspondam ao resultado correto, mais de que a precisão e avaliação de cada onda de forma individual.

- Hoje em dia, no critério atual, e muito bem, existem diferentes formas de se obterem altas pontuações que não passam apenas pela apresentação de surf progressivo. Isto significa que surf de rail (força, velocidade e fluidez) quando bem executado também deve ser recompensado com as mais altas pontuações.

 

-Resultados próximos vão ser cada vez mais uma realidade com o evoluir técnico da modalidade, e vão existir sempre opiniões díspares que devem ser respeitadas.

 

 - Neste momento todo o mundo contesta julgamento, sem que por vezes se faça um esforço para se entender a complexidade do trabalho e muitas vezes sem qualquer conhecimento de causa. Julgar um evento em qualquer prova local seria um bom exercício e primeiro passo para que se pudesse falar deste tema com mais propriedade e seriedade.

Posto isto, considero que esta prova teve um bom julgamento e não existiram resultados incorretos. Os juízes fizeram um bom trabalho.

 

 

Heats interessantes para análise:

 

Meia-final entre Gabriel Medina e Griffin Colapinto

 

 

Considero o 8.5 de Colapinto muito mais interessante que o 7.67 de Medina e a separação deveria ser maior. Colapinto surfou a onda de forma irrepreensível. Surfar um mar onshore sempre no rail, com flow e manobras a chutar o tail foi merecidamente recompensado com uma nota excelente. Medina, na sua melhor onda, apesar de ter feito um aéreo reverse, saiu da manobra sem fluidez para a seguinte, teve quebras e a onda não teve a harmonia que é expectável num evento nestas condições. Ambos os atletas tiveram backups fracos. Na minha opinião Colapinto foi um justo vencedor. Resultado próximo, mas correto.

 

Final entre Griffin Colapinto e Filipe Toledo

 

 

Na minha opinião a diferença do 9.57 de Toledo para o 9 pontos de Colapinto deveria ser um pouco maior, 1 ponto pelo menos. Fazer um alley oop seguido de cutback e aéreo reverse, onde as manobras aéreas têm rotações em sentidos opostos traz um grau de complexidade que se deveria refletir numa diferença maior na pontuação. No entanto, acho que as duas ondas de backup de Griffin, o 7 e 8 pontos são bem melhores que o 6.43 de Toledo. Especialmente o straight air numa secção com alguma intensidade, combinado com mais algumas manobras a chutar o tail, fazem com que o resultado, apesar de muito próximo, esteja correto. Com este 7, apesar de estarem empatados, o Colapinto já deveria ser primeiro. Apesar de esta ser a minha opinião, consigo ver o resultado ao contrário. Foi sem dúvida um resultado muito próximo e que não deveria ter um ponto de diferença, mas sim a margem mínima em que para ambos os lados seria facilmente justificável. Foi uma final fantástica com os dois melhores surfistas do evento. Isto por si só já diz muito do julgamento.

Nos dias que correm, com atletas a contestar constantemente, media a pressionar e opinião pública a querer tornar o surf no próximo futebol, acho que os juízes fizeram um bom trabalho, essencialmente porque “they got the right results”.

 

Seguimos agora para o Brasil. A disputa pelo TOP 5 continua aguerrida, mesmo com a ausência do melhor surfista do ano até o momento - John John Florence  - o circuito está mais disputado que em anos anteriores e isto é bom para o tour.

 

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