foto: henriette-welz foto: henriette-welz quarta-feira, 01 setembro 2021 07:45

As ondas no Verão em Portugal - Como funciona ?

Por Bruno Lampreia...

 

É bem sabido que Portugal é um paraíso de ondas, desde as Ilhas no meio do Atlântico com captação de ondulações de todas as direções, ao Continente, que sendo a “cabeça” da Europa funciona como uma sonda que reage de imediato a vários tipos de ondulações geradas no Atlântico Norte, para além disto a linha de costa é bastante recortada e apresenta diferentes fundos marinhos. 

 

Isto traduz-se em vários resultados, em primeiro lugar, para diferentes ondulações temos diferentes opções de locais que funcionam na formação de onda para o surf, algumas praias (ou surf spots) irão apresentar condições ideais, enquanto outros estarão fora dos limites e por consequente não apresentam ondas, no entanto a próxima ondulação poderá ter propriedades diferentes e beneficiar os locais que anteriormente não se encontravam propícios à prática de surf.

Em segundo lugar, temos a variação do tipo de onda, que ao longo da Costa e para uma determinada ondulação, teremos vários tipos de onda, ora não elaborando acerca de altura de marés, vento, tipo de ondulação, condições locais e afins, vamos apenas referir os fundos. Ao longo da Costa de Portugal Continental temos praias com fundo de areia, que podem originar ondas lentas de rebentação gradual, tubulares ou espraiadas, consoante o tipo de configuração que os bancos de areia apresentam, desta forma temos um fundo mutável em que uma determinada praia pode apresentar diferentes tipos de onda e inclusive consegue gerar ondas com diferentes tipos de ondulação. Praias com fundo de laje, funcionam bem com ondulações específicas (pois o fundo é imutável), para estas praias, ou spots, as condições ideais são geralmente conhecidas e desejadas.

Talvez por isso em Portugal não haja tanto aquele misticismo da “caça à onda” como acontece noutros países em que as ondas são fenómenos muito mais raros e uma verdadeira recompensa da natureza para quem se empenha nesta procura de ondas. 

Por cá, devido aos fatores enunciados acima (e muitas mais variáveis, que não me vou alargar aqui), podemos simplesmente acordar, ligar as BeachCam e ver qual o spot mais próximo a dar onda, e para alguns locais até temos vários tipos de onda à escolha numa área de poucos quilómetros.


Praia do Malhão. Foto:routinelynomadic

 

 

Somos privilegiados e abençoados com ondas praticamente o ano todo, mas serve a premissa para o tópico deste artigo, é de grosso modo no verão que vemos a qualidade do surf e a quantidade de ondas a diminuir consideravelmente, muitos agendam inclusive férias para locais do hemisfério Sul onde se esperam ondas, visto que por esta altura do ano é Inverno lá.

 

 

 

Mas e então o que se passa por cá? E o porquê deste período de falta de ondas?

 

No verão, em Portugal Continental o panorama típico é gerado por uma configuração em macro escala, é por esta altura que a latitude a que nos encontramos se encontra mais exposta à radiação solar, temos mais horas de Sol e o ângulo de incidência é mais acentuado, traduz-se isto em mais energia térmica transferida para a superfície desta região.

Embora a energia solar transmitida seja uniforme, a capacidade de absorção entre diferentes superfícies, é diferente, ou seja, a superfície terrestre aquece significativamente mais e mais rápido que a superfície marítima, por outro lado, a superfície marítima aquece de uma forma muito mais lenta, mas consegue reter mais calor que a terrestre. Isto sabemos de conhecimento empírico, pois de noite a terra arrefece significativamente, atingindo mínimas de 15-20⁰C enquanto de dia observam-se máximas de 30⁰C a 40⁰C, isto representa uma variação térmica muito grande. Pelo contrário, no mar apenas se registam variações de 1⁰C a 2⁰C entre o dia e a noite.

Desta forma, olhando à configuração da Península Ibérica, temos uma grande massa terrestre rodeada de superfície marítima, no verão esta massa aquece consideravelmente mais que as áreas envolventes, o que origina uma “baixa-pressão de origem térmica”, isto é, a terra ao absorver a radiação solar, vai por sua vez aquecer a massa de ar sobrejacente, tornando o ar menos denso e por isso elevando-se em altura.

Por outro lado, à volta e mais concretamente a Oeste temos uma massa de água muito grande, com temperaturas mais baixas, criando assim um diferencial bastante grande onde o ar sobrejacente é mais frio e, portanto, mais denso, a adicionar a isto a Oeste temos o Anticiclone dos Açores na sua posição habitual de verão, junto à costa Oeste.

Adicionamos a esta receita o sentido de rotação destes 2 sistemas, em que tendo uma alta-pressão a oeste a rodar no sentido dos ponteiros do relógio e uma baixa-pressão a rodar no sentido anti-horário a Este, resulta numa componente de vento de Norte, a Nortada.

 

 

                                     

Condições de agitação marítima na Costa Ocidental (situação típica de verão) in IPMA, Caracterização Climática da Costa.

 

 

O resultado prático deste conjunto alta-baixa pressão é uma componente de vento intensa, orientada de Norte para Sul ao longo da Costa Oeste, que se prolonga por várias semanas consecutivas.

 Traduzindo em resultados, no mar temos uma situação de ondulação já de si fraca em que as tempestades no Atlântico Norte são menos frequentes (não menos intensas, até porque é época de furacões) e que ao chegarem à Costa Oeste de Portugal Continental sofrem bastante interferência desta “vaga” gerada pela nortada, sendo por isso que a ondulação predominante nesta época apresenta-se de NNW-NW de curto período (vaga) gerada no local, por vento local. 

Estes fatores geram uma situação de “bloqueio” em que a ondulação limpa e de longo período de “fora” (de fora significa que a origem da ondulação é longe da costa, dando assim oportunidade para se organizar por períodos e chegar ordenada), é impedida, anulada ou interferida de forma a chegar ineficazmente para produzir a onda desejada.

Existem muitos mais fatores neste sistema complexo e dinâmico, que requer uma análise diária para aferir as condições, no entanto este é o panorama geral de verão e creio que não será visto como uma época fraca, pelo contrário, atividades como escolas de surf  têm a oportunidade de ensinar os seus instruendos em ondas pequenas com offshore matinal (brisa terrestre), os praticantes de Windsurf e Kitesurf podem usufruir do vento onshore, não correndo o risco de se afastarem da costa mais que o desejado, entusiastas de SUP podem praticar eventos de downwind, etc.

Em suma é uma oportunidade para se reconfigurar o tipo de atividades ou então analisar dia-a-dia as condições à procura daquela janela de ondulação que proporciona surf épico de verão, raro mas existe!

 

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