"AOS POUCOS, CADA VEZ MAIS AUTARQUIAS SEGUEM O EXEMPLO DE PENICHE E ERICEIRA"

"Surf como Promotor de Preservação Ambiental” é o título da tese de Mestrado de Pedro Ramos. Fomos debater este assunto com o autor.

 

Embora nem sempre pensemos nisso, há de facto um papel fundamental do surf na preservação ambiental. Quem nos lembrou disso – e oportunamente – foi Pedro Ramos. O surfista de 39 anos – 23 deles passados nas ondas – concluiu este ano uma tese de mestrado em Economia e Gestão do Ambiente tendo como tema o “Surf como Promotor de Preservação Ambiental”. Alguns dos objetivos principais foram estudar se o Surf pode ser um motor de preservação ambiental e de dinamização económica das regiões costeiras portuguesas.

Embora trabalhe nas áreas de Marketing e Vendas, paralelamente, e devido à vontade se “envolver ativamente na proteção da Natureza”, Pedro – como nos diz – participa “de forma voluntária em projetos como os embaixadores dos rios, das florestas e da água, em ações de limpeza de praias, entre outros”.

Em 2008, decidiu aprofundar os seus conhecimentos nas áreas de ambiente e desenvolvimento sustentável e com esse objetivo, concluiu uma Pós Graduação da Universidade Católica Portuguesa em Gestão das Organizações e Desenvolvimento Sustentável em 2009. Este ano, foi a vez deste mestrado que agora te damos a conhecer, com o objetivo de nos debruçarmos sobre um tema que nem sempre é tratado com a devida atenção.

Em entrevista à SurfTotal, contou-nos um pouco mais sobre este trabalho e ainda debatemos a importância do Surf para o país, bem como o crescimento da modalidade que atrai cada vez mais praticantes de ano para ano. "O número de surfistas que vão para a água pelo menos uma vez por semana, apresenta um ritmo de crescimento anual de 25% a 30%", diz-nos Pedro Ramos.

 

Como nasce a ideia de fazer uma tese nesta área?

A ideia de avaliar a importância da qualidade ambiental para a prática de modalidades de desportos de ondas como o Surf, bem como o interesse da sua conjugação com outras atividades de contacto com a Natureza e/ou associadas a um estilo de vida saudável, surgiu da necessidade de encontrar modelos de desenvolvimento capazes de conciliar a preservação dos recursos naturais costeiros com a sustentação económica de comunidades litorais.

Repare, a costa marítima portuguesa possui, através das suas ondas e praias, recursos naturais não deslocalizáveis, de difícil imitação e por isso altamente diferenciadores, que conferem a Portugal importantes vantagens competitivas em áreas como o Turismo Marítimo, sector que em 2011, representou 183,1 mil milhões de euros em volume de negócios, um terço do total da economia marítima da UE-27.

Apesar desse potencial, os recursos naturais marinhos e costeiros têm-se vindo a degradar como consequência dos fluxos migratórios de população do interior para o litoral e de modelos de desenvolvimento turístico aliados a planos de ordenamento da orla costeira, permissivos no que à construção diz respeito.

Como surfista há mais de 20 anos tenho assistido “in loco” a esta realidade, sentindo que é urgente aumentar a percepção da população para o valor associado a uma costa preservada e às ondas nela contida. Dificilmente se preserva o que não se valoriza.

 

O seu trabalho versa a "importância da boa qualidade ambiental para a comunidade surfista, através da estimação do valor atribuído à presença de ecossistemas preservados". No nosso país, face ao resto da Europa e do Mundo, há um maior descuido na preservação dos ecossistemas? Se sim, como é que isso se reflecte e quem são os culpados?

Não posso afirmar com base em dados concretos que, em Portugal, a preservação dos ecossistemas é menos acarinhada que noutros países. Seria injusto afirmá-lo de forma inequívoca, até porque reconheço que o grau de consciência ambiental da população portuguesa tem vindo a aumentar ao longo dos anos. Mas também me parece evidente que ainda há um longo caminho a percorrer, comparativamente a países onde a sociedade civil está mais alerta para estas questões e é mais interventiva. Teremos que passar do nível da consciência para o nível do comportamento. Uma das conclusões que resultou do trabalho efectuado foi que, apesar de vários aspetos ambientais como a qualidade da água e a limpeza do areal, serem altamente valorizados pela comunidade surfista, a disponibilidade para ações de voluntariado nem sempre está presente.

Todos os actores da sociedade têm que participar activamente na gestão e protecção do património ambiental, sejam órgãos governativos, empresas ou os próprios cidadãos. Mais do que encontrar culpados, o importante é procurar formas de potenciar o envolvimento de todos, de modo a que as gerações futuras tenham acesso pelo menos aos mesmos recursos que nós temos.

 

Qual a importância do surf para o turismo nacional?

Os dados existentes sobre o turismo de Surf, em Portugal ou no estrangeiro, são ainda escassos. Sabe-se no entanto que anualmente, 10 milhões de surfistas com poder de compra viajam à procura de ondas e que, em Portugal, o número de surfistas que vão para a água pelo menos uma vez por semana, apresenta um ritmo de crescimento anual de 25% a 30%. Segundo estudos prévios de outros autores, o Surf pode representar para o turismo nacional um valor anual compreendido entre 1,5 a 3 mil milhões de euros em volume de negócios. De um modo geral, tem um potencial semelhante ao que os desportos de neve apresentam em países como a Suíça, podendo ultrapassar o Golfe, uma modalidade tão em voga no nosso país. O próprio Plano Estratégico Nacional do Turismo, considera que o turismo de Surf pode vir a ser mais importante que o segmento de Saúde e BemEstar e que o tradicional turismo de “Sol e Praia”.

Note que para além da estimação do valor atribuído pelos surfistas à boa qualidade ambiental dos locais de prática, através do trabalho desenvolvido no âmbito da tese, resultou que a presença de uma costa preservada funciona como um factor de atratividade e de eleição do destino turístico, tendo inclusive repercussões no aumento do período de estadia. É por isso uma área na qual se justifica uma forte aposta.

 

Na sua opinião, há uma preocupação das entidades governamentais em apostar nesta área enquanto turismo? Ou pelo contrário, ainda não perceberam a importância da mesma?

As entidades governamentais começam agora a despertar para o Surf enquanto modalidade que apresenta um enorme potencial de crescimento em Portugal. Claramente, pela sua capacidade de atrair turistas nacionais e estrangeiros, perceberam que pode ser uma fonte de geração de receita para as regiões costeiras. Iniciativas recentes como o sítio Portuguese Waves, demonstram que estão a ser desenvolvidos esforços para aumentar a notoriedade das ondas portuguesas fora de portas. Podendo-se discutir o modelo de desenvolvimento adoptado, a dotação do nosso litoral com Centros de Alto Rendimento (CAR) parece-me igualmente um sinal claro da aposta no Surf, neste caso na vertente de competição desportiva. Nessa óptica, quantos mais atletas conseguirem bons resultados internacionais, mais o nosso país será promovido enquanto destino de Surf.

Aos poucos, cada vez mais autarquias seguem o exemplo de Peniche e da Ericeira, regiões pioneiras na promoção das suas ondas enquanto factor de atracção. Esta última, ao ser declarada como a primeira Reserva Mundial de Surf da Europa, tem na preservação ambiental da costa um dos seus pilares, parecendo-me um bom exemplo a replicar noutros locais. De imediato penso na costa alentejana e nos arquipélagos dos Açores e Madeira.

Outros projetos, como a Cidade do Surf (Figueira da Foz), que partindo da sociedade civil têm menor visibilidade, não deixam de ser igualmente importantes exemplos de iniciativas que centram a promoção das regiões em torno do Surf.

Voltando há questão que colocou, em algumas regiões essa preocupação poderá existir mas ainda não chegamos ao ponto de haver uma estratégia concertada entre várias autarquias costeiras, que apostem não só no Surf mas também na preservação das praias e ecossistemas costeiros, como motor de dinamização turístico. É importante que não se repitam erros do passado, que infelizmente destruíram recursos dificilmente recuperáveis, como aconteceu na região do Algarve. Cabe também à sociedade civil em geral e à comunidade das ondas em particular, zelar para que o crescimento da modalidade e do número de praticantes que frequentam as praias portuguesas, seja feito de uma forma sustentável. Temos que ser todos parte da solução.

 

Realizou um questionário a vários praticantes da modalidade. A que conclusões chegou com o seu trabalho?

O trabalho abordou diferentes perspectivas em torno do Surf, desde a definição do perfil sóciodemográfico dos surfistas, até à determinação do valor que atribuem à conjugação de Surf com outras atividades de contacto com a Natureza e/ou associadas a um estilo de vida saudável, sem esquecer o aspecto central, determinar se a qualidade ambiental dos ecossistemas costeiros é de facto relevante. O fio condutor de toda a tese, consistiu em estudar se o Surf pode ser um motor de preservação ambiental e de dinamização económica das regiões costeiras portuguesas.

Os resultados obtidos evidenciam que as caraterísticas ambientais dos locais de prática, para além da qualidade das ondas, são determinantes para os surfistas. O valor atribuído pela comunidade das ondas ao bom estado de preservação dos recursos naturais costeiros, corresponde a um montante compreendido entre 1,14 e 5,13 milhões de euros. Mesmo considerando haver diferenças nos comportamentos expressos pelos inquiridos, classificados como “Experientes” ou “Novatos” em função das suas características sóciodemográficas, factores como a qualidade da água e a limpeza dos areais e espaços envolventes apresentam sempre graus de valorização significativos. Importa no entanto referir que no caso dos primeiros, a qualidade das ondas é vista como maximizadora da utilidade da prática recreativa, podendo estar acima dos factores ambientais, o que não quer dizer que estes não sejam valorizados. A comprová-lo, são estes os que têm maior predisposição para participar em acções de voluntariado ambiental. Os “Novatos”, sem dúvida focados na qualidade ambiental, consideram também importantes as infraestruturas de ensino e segurança. Outro aspecto interessante que resultou da análise de dados, foi o facto das praias situadas fora dos núcleos urbanos e portanto menos transformadas pela ação humana, funcionarem como polos de atratividade para os surfistas.

No que respeita à conjugação de atividades, foi possível identificar que podem incrementar o período de permanência nos locais e aumentar os gastos durante a estadia. De entre as diferentes combinações estudadas, o destaque vai para a restauração identificada com o conceito natural saudável, para atividades aquáticas de mar, como a vela e o mergulho e para atividades de contacto com a Natureza, seja na vertente mais activa ou na de simples contemplação. No extremo oposto situam-se outros desportos de ondas, indício de que os surfistas são bastante focados na modalidade que praticam.

Apesar de atividades de bem-estar como o Yôga e Pilates, despertarem o interesse tanto nos surfistas “Experientes” como nos “Novatos”, verificou-se alguma dispersão nas respostas obtidas. Sendo uma vertente a explorar, deverá sê-lo de forma direcionada.

Estes são apenas alguns dos aspectos que merecem destaque, havendo outros não menos importantes que fazem sentido referir numa análise mais aprofundada. Para quem estiver interessado, em breve o estudo irá estar disponível para consulta na Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Também me poderão contactar através do email Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar..

 

Patrícia Tadeia

 

 

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