Dia triste nas praias portuguesas. Dia triste nas praias portuguesas. Foto: Pedro Stürken quinta-feira, 26 outubro 2017 09:18

A fragilidade da vida

Quando o assunto é a vigilância das praias fora da época balnear… 

 

Dois textos que, apesar das ondas e do bom tempo que se tem feito sentir, mostram bem a fragilidade da vida humana, especialmente fora do período de férias, quando a vigilância das autoridades competentes já não se faz sentir… embora as praias continuem a ser procuradas por muitos turistas, surfistas e portugueses devido às altas temperaturas. 

 

Um dos textos é da autoria de Pedro Stürken que viveu no Guincho, há uns dias atrás, uma experiência marcante. O outro foi escrito por David Raimundo, Selecionador Nacional de Surf, que dias depois, na mesma praia, esteve envolvido no salvamento de duas pessoas. 

 

Urge encontrar uma solução para a vigilância nas praias fora do período de férias, pois, como alguém já referiu em tempos, num país com 300 dias de sol e apenas 120 - os que compõem a época balnear - são vigiados, é algo que não faz qualquer sentido. 

 

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20 de outubro de 2017. Hoje senti na pele, o quão frágil é a vida.

 

15:50 Praia do Guincho, Cascais. Estou a preparar-me para entrar na água quando sou avisado que um senhor está em dificuldades para sair da mesma, na zona esquerda do Guincho conhecida pelos seus fundões e agueiros.

 

Agarro na minha prancha e começo a correr sem sequer pensar no que podia estar para vir. Tento gritar por ajuda para virem comigo, mas nenhum dos meus amigos ouviu. Por isso, entrei, não tinha outra hipótese.

 

Quando cheguei ao pé do corpo já estava inconsciente e tive que o pôr na prancha para o trazer para o inside o mais rapidamente possível, pois sabia que todos os minutos contam. 

 

Puxo o corpo para cima e já estava roxo. Tentei pô-lo na minha prancha e ir com ele numa espuma, mas não foi tão fácil como por vezes parece, muito por causa da pouca flutuação e correntes que se faziam sentir. 

 

Perdi o corpo duas ou três vezes no meio da água e o desespero começou a ser grande. Já só não o queria perder ali.

 

Com a ajuda de dois rapazes que, entretanto, chegaram ao pé de mim, com muita dificuldade e já sem forças, lá conseguimos chegar a terra. Depois de uns bons 10 minutos de muito desespero.

 

Desde as manobras, a injeções de adrenalina já feitas pela equipa do INEM, enfim, tudo foi feito. Este senhor, de férias com a mulher que estava desolada a ver tudo aquilo, acabou por morrer ali, assim sem mais nem menos…

 

E isto tudo acontece porque as praias são mal vigiadas e basicamente nao têm sinalizações. “Oh, mas quando está sol é que interessa…"

 

Nunca vamos conseguir educar toda as pessoas, mas podemos controlar os seus comportamentos, e era só isso que era preciso, algum controlo. O problema é que ninguém quer saber e nós que estamos ali e temos que fazer alguma coisa, um dia vamos acabar por ficar por lá também.

 

Dia triste. 

 

Texto de Pedro Stürken

 

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23 de outubro de 2017. Hoje foi um dia estranho. De manhã vi no Facebook a notícia da morte de um homem na Praia do guincho na passada 6ª feira (ver texto em cima). Conheço muito bem as pessoas que tentaram de tudo para o salvar. Infelizmente, já nada havia a fazer.

 

Hoje estive todo o dia no guincho a dar treinos. Senti sempre uma sensação esquisita. Até cheguei a comentar o facto de algumas pessoas estarem a tomar banho num sítio mau da praia. 

 

Quando estava a arrumar o material do segundo treino vejo uma mulher aos gritos e a levantar os braços. Quando olhei para a água vi duas raparigas aflitas, quase a afogarem-se. Só tive tempo de tirar os sapatos e corri praia fora, agarrei numa prancha e mandei-me para dentro de água. 

 

Tirei primeiro uma das raparigas e voltei para ir buscar a outra que estava com alguns dos meus atletas a darem apoio. Depois de cerca de 10 minutos a remarmos na corrente, lá conseguimos salvar a segunda pessoa. Estava em choque e a chorar de medo e pânico.

 

No meu pensamento só estava a imagem do meu filho e no sofrimento que era perdê-lo, por isso não queria que os pais destas duas raparigas passassem por isto. Fizemos tudo para as salvar e felizmente hoje correu bem! Mais uma vez tiveram que ser os surfistas a salvar duas pessoas.

 

Acho que já é hora de se tomarem algumas medidas nas praias portuguesas para prevenir estas situações. Não podemos continuar a investir no turismo e depois não ter maneira de salvaguardar a vida das pessoas. Isto não pode continuar assim! 

 

Praias como as do Guincho e Carcavelos têm que estar vigiadas todo o ano. Têm que existir placas a informar do perigo das correntes e do mar nestas praias! Não se pode continuar a perder vidas desta maneira! Estamos numa fase que ainda estamos a viver a tragédia dos incêndios. Mas não são só os incêndios que provocam tragédias. 

 

Quantas pessoas morrem afogadas por ano? Quantas podiam ter sido salvas se houvesse vigilância nessas praias? Vai ser preciso morrerem mais quantas pessoas para se fazer alguma coisa? 

 

Apelo a todas as entidades competentes que percam mais tempo a refletir sobre este assunto e que seja possível arranjar meios e soluções para um problema tão grave como este. Hoje estávamos lá! Amanhã pode não estar ninguém…

 

Texto de David Raimundo

 

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Um bem haja, um enorme agradecimento a todos os envolvidos, a todos os benfeitores que arriscam diariamente a sua vida para salvar a dos outros. 

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