'VIAGEM ERRANTE': CRÓNICA DE JOÃO 'FLECHA' MENESES

A Austrália foi o palco desta aventura, onde desilusões e erros deram também lugar a descobertas e aprendizagem




A viagem de elevador é curta mas faz-me pensar que invejo este meu amigo porque está de partida para a Austrália. Aqui estou eu a cumprir um ritual de há muitos anos. Uns dias antes de partirmos, encontramo-nos e falamos do mundo e das ondas. Desta vez iria apenas para ouvir, procuraria não falar da minha experiência na terra dos Aborígenes. Se as viagens servem para alguma coisa, é para aprender. E por vezes o erro é um elemento importante nessa aprendizagem! Aterrava em Sydney e em menos de uma hora estava na praia de Bondi Beach, uma espécie de praia urbana como carcavelos, mas sem tubos e sem ondas boas. Que me desculpem os surfistas da marginal, por infeliz analogia….



Queria ver o mar da Austrália, queria fazer uma onda que me esperava há 22 anos. Escolhi Bondi beach pela proximidade do aeroporto e por ter um amigo português a viver por aquelas bandas, que me recebia de braços abertos. Mesmo com uma recepção na língua de camões, este foi o primeiro erro na Oceânia. Depois vieram mais outros e depois mais tantos. Em viagem erra-se! Da mesma forma que erramos na nossa vidinha do dia-a-dia. Em viagem, por vezes a dor é maior, ou mais inesperada. Eu sinta-a e doeu… tanto… De mochila às costas a dor dos erros pode pesar mais, não são os kg que carregamos, esses o corpo ainda aguenta. Falo de outra dor. Daquela que em cordão umbilical está ligada às nossas expectativas, sem sabermos que estas são perseguidas pelo medo de que o sonho não passe de uma tentativa falhada de atingir a plenitude de sorrisos na alma.



A Austrália, o sonho de criança, estava a ser para mim o pesadelo de qualquer surfista. Tantos erros… tantas dores. Ondas más e multidões dentro de água. Dezembro! Verão do outro lado do mundo, época alta, preços inflacionados, gorros de Pais Natal pindéricos dentro de água. Com o roteiro mal escolhido, sem carro e com um saco de pranchas às costas, aliado a uma conta bancária em que as moedas eram em número superior às notas, Sydney, Gold Coast e redondezas, cheias de backpackers alcoolizados, com hostels sem piada ou com hotéis com piada estupidamente caros, estavam, a pouco e pouco, a estragar toda as imagens de pureza que tinha desta terra. Tudo o que não procurava viver numa viagem, estava a sentir! Tudo o que não queria sentir estava a viver!



Sabia que uma viagem tinha este lado menos colorido, mas porquê a Austrália? O destino que sempre sonhara. Quando pequeno a minha mãe falava-me que tinha estado na Disneyland.

A Eurodisney, em Paris, ainda era uma miragem, por isso para chegar aquele parque de sonhos eu sabia que tinha que estar muitas horas num avião até aos Estados Unidos. Acabei por não o fazer, porque cresci, tornei-me surfista e a minha Disneyland passou a ser a Austrália, sabendo que a grande viagem de avião era a forma para lá chegar.



Tantos anos tinham passado, cresci como pessoa e surfista. E ali estava eu, carregando a mochila e saco de pranchas, ensopado em suor, a olhar o mar, sem vontade de entrar dentro de água, sem motivação para surfar, perdido nos meus pensamentos, desiludido, sem rumo, sem saber se haveria de entrar no oceano para manter a pouca energia que ainda me permitia não me desequilibrar totalmente ou se iria entrar no primeiro bar de backpackers e provar todas as cervejas aussies, embebedando-me de uma tal forma que esqueceria que não estava ali pelas ondas e sim pela cevada da Ilha grande.



Alguns dias passaram, Sydney e o seu bonito harbour, rodeado de jardins acalmaram-me, as livrarias as galerias de arte e outras casas de cultura, fizeram-me viver um pouco o lado artístico da cidade. O comboio para Brisbane, fez-me despertar os sentidos, afinal a Austrália era mágica, afinal as energias interior do País mexiam comigo. A Austrália não era só mar e ondas. Com uma pequena paragem em Byron Bay onde me senti bem e imaginei como esta pequena Vila foi nos tempos áureos dos hippies, toda a costa foi desilusão atrás de desilusão, pelas ondas, pelo excesso de surfistas e, sim, pelo meus erros, tantos… Por vezes parava, e de uma forma incongruente (ou talvez não) sentia-me momentaneamente feliz por tamanha aprendizagem. Porque para um erro há sempre uma boa solução. E encontrei-a na Montanha.



Enquanto escrevo esta crónica, tenho a certeza que o meu amigo não vai errar como eu, pelo menos no que se trata de mar. Ele é muito mais do que alguém que desce umas ondas. É um surfista à séria! Vive surf, lê surf, fala apaixonadamente do seu desporto favorito.

Podia-lhe dizer tanta coisa sobre o que não fazer nesta viagem. Mas ele sabe de cor as ondas a surfar e as fábricas de pranchas que quer visitar. Consta até que já tem uma ncomendada, prontinha para os seus pés. O roteiro está traçado e planeado! O Bruno não vai errar! Vai viver aquele país de surf como eu não vivi.


Lembrei-me, apenas, que lhe podia ter falado nas Blue montains, a 3 horas de Sydney, onde guardei a prancha, esqueci a razão pela qual viajei para o outro lado do mundo e, nas longas caminhadas solitárias, ao encontrar-me com a energia aborígene, percebi que a verdadeira razão da minha ida, não estava no mar, estava bem em Terra! No “azul” daquelas montanhas!


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