"Saca" após mais um heat no CT de Peniche. "Saca" após mais um heat no CT de Peniche. Foto: Pedro Mestre/WSL terça-feira, 08 março 2016 16:49

TIAGO PIRES: “PASSEI ANOS A SER O HERÓI E O VILÃO”

Na nova fase da sua carreira e à beira dos 36, a Surftotal traz-te um exclusivo com o maior surfista português de todos os tempos...

 

Às portas de completar 36 anos (celebra aniversário a 13 de março), Tiago “Saca” Pires, o Portuguese Tiger para uma legião de fãs portugueses, decidiu pôr um ponto final na sua carreira competitiva na World Surf League (WSL). Após sete anos a fazer parte da elite do World Tour, a divisão máxima do surf mundial, o maior surfista português de todos os tempos abriu um novo capítulo na sua vida.

 

Quando sentiste verdadeiramente no teu íntimo que podias estar entre os melhores surfistas do mundo? 

No inicio de 2007, ano em que me qualifiquei, comecei o ano com resultados fortes em campeonatos que eu geralmente nunca consegui vingar e ganhei um embalo muito importante. Acho que foi depois da final que fiz em Margaret River, em março, que eu pensei que era o meu ano! Liderei o ranking da Qualifying Series até agosto, altura em que recebi a confirmação do Al Hunt da WSL. Foi como ter tocado nas nuvens!

 

O meu irmão teve um papel crucial neste teu percurso. É raro ver uma "parceria" em alta competição durar tanto tempo. Como foi possível?

Eu acho que a relação entre treinador e atleta tem de ser de total confiança. Para além disso, o Zé [José Seabra] sempre tratou dos meus contratos e por isso a nossa relação tornou-se muito forte e ao mesmo tempo duma sinergia rara. Para quem não conhece o Zé Seabra, posso dizer que ele é a pessoa com mais experiência em Portugal em termos de gestão de carreira de um surfista. O Zé sempre me fez olhar para o lado certo, mesmo que às vezes me custasse, e isso, a longo prazo, foi muito importante. Tenho muito orgulho na relação que tivemos e em tê-lo como um amigo de verdade.

 

 

“Na altura não posso dizer que tenha sido fácil [a saída para a Quiksilver], mas no final do dia temos que ser inteligentes e pensar no nosso futuro”

 

Consegues descrever-nos durante a tua carreira, que já é longa, dois episódios que tenham sido marcantes? Um pela positiva e outro pela negativa? 

É impossível não falar do heat com o Kelly [Slater] em Bali no campeonato The Search. A maneira como dei a volta ao heat, a cinco minutos do fim, estando em combinação de mais de 16 pontos, é algo que muito raramente acontece a qualquer surfista. O meu estado de espírito depois desse heat era praticamente inexplicável, pois era o meu primeiro ano de circuito, aquele em que sempre tens muitas dúvidas na cabeça. O episódio mais negativo talvez tenha sido o heat contra o Jadson [André], em 2014, em Pipeline. Foi o meu último heat no WCT e não consegui fazer uma onda de jeito! O mar estava muito difícil e Pipeline é uma onda complicada para qualquer um. Saí da água com uma sensação de incumprimento e ao mesmo tempo confuso, pois sabia que não tinha maneira de ripostar! Enfim, se há alguma coisa que se aprende na alta competição é a de saber lidar com as derrotas e, neste caso, deu-me muito jeito.

 

 

A tua mudança de patrocínio da Billabong para a Quiksilver foi algo muito falado e mediático. No fundo, duas marcas que te ajudaram a crescer como homem e como surfista. Podes falar um pouco sobre isso?

Foi um momento difícil, porque eu tinha laços fortes com as duas marcas. A Quiksilver tinha sido a primeira marca a apoiar-me, tinha eu 13 anos de idade, e a Billabong era quase como estar em casa, pois estava sediada na Ericeira e muitos dos meus amigos trabalhavam lá. O Paulo Martins fez um grande esforço ao início para me conseguir proporcionar correr o circuito mundial e ao longo do tempo criámos uma relação de trabalho e amizade muito especial, onde nos respeitávamos muito mutuamente. Em 2010, a Quiksilver, na pessoa do meu grande amigo e recém retirado do circuito WCT, Miky Picon, voltou à carga para contratar-me e a proposta foi muito aliciante. Para além de englobar uma série de outras coisas, tinha também uma duração de 10 anos! Acho que foi a primeira vez que foi feito um contrato com tal duração na Europa e talvez mesmo um dos poucos a nível mundial. Na altura não posso dizer que tenha sido fácil, mas no final do dia, temos que ser inteligentes e pensar no nosso futuro, pois a vida de atleta dura pouco tempo e as escolhas têm de ser muito assertivas. Hoje em dia continuo a ter uma boa relação com a equipa da Billabong e sou muito feliz na estrutura da Quiksilver.

 

Sendo tu um tube rider exímio, fica alguma frustração de não teres conseguido chegar mais longe em ondas como Pipeline ou Teahupoo?

Sim, alguma. Em Teahupoo passei perto uma vez, mas o CJ [Hobgood] acabou por derrotar-me nos quartos de final no ano em que o Andy [Irons] ganhou o seu último campeonato, antes de falecer. Já Pipeline acabou por ser um tiro ao lado. Em campeonatos do WQS consegui muitas vezes passar várias rondas e no WCT acabei sempre por pecar e não ter bons resultados. É com alguma pena que digo isto, mas, mais uma vez, temos de saber lidar com as derrotas.

 

“O Mineirinho foi o Campeão Mundial da raça e determinação. Há muitos anos que andava a farejar uma oportunidade e assim que ela apareceu não a desperdiçou”

 

 

 

A vitória do “Mineirinho” [Adriano de Souza] é vista com alguma surpresa por muitos. Sendo tu muito amigo dele, consegues explicar como um surfista não favorito ao título mundial, consegue vencer?

O Mineirinho foi o Campeão Mundial da raça e determinação. Há muitos anos que andava a farejar uma oportunidade e assim que ela apareceu não a desperdiçou. Eu penso que a chave do título foi mesmo o trabalho de persistência em evoluir em Pipeline que ele fez nos últimos anos, em que se mudou para casa de Jamie O’Brien para conseguir ganhar mais confiança naquela onda. Acabou por ganhar um Pipe Masters e também o título mundial por lá. Ninguém imagina a quantidade de coisas de que abdicou para conseguir um título e a humildade com que o fez. Ele é, sem dúvida, um atleta exemplar.  

 

Até que ponto sentiste o peso da responsabilidade de seres o único representante nacional na elite mundial. Esse peso chegou a existir?

Claro que sim. Especialmente nas alturas menos boas! Passei anos a ser o herói e o vilão… e é claro que tive momentos de maior vulnerabilidade. Mas como se costuma dizer, quem corre por gosto não se cansa! 

 

Por último, quais os teus novos objetivos de vida?

Continuar a surfar muito e viajar um pouco para destinos que ainda não conheço. Criar a minha família num ambiente confortável e de muito amor. 

 

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Entrevista: Bernardo Seabra

Fotografia: Pedro Mestre/WSL

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