"Foram as ondas grandes que me permitiram viver do surf"

Entrevista com Maya Gabeira, a surfista brasileira que está novamente pela Nazaré.


Presença assídua nas ondas da Nazaré, a surfista brasileira Maya Gabeira tem ganho destaque em todo o mundo pela coragem e perícia que demonstra em condições extremas, como as que o 'Canhão da Nazaré' proporciona. Maya sabe bem os riscos que corre, e o susto que apanhou por cá é um bom exemplo disso. Mas nem por isso esmoreceu a paixão pelo risco e pelas ondas grandes. Maya está de volta e com a mesma força de sempre.


Quem é a Maya Gabeira?

Surfista, gosto de viajar, estar nas ondas certas. Há muitos anos que viajo em busca das ondas perfeitas, grandes, é o que gosto de fazer.


Cedo descobriste que nunca serias uma pessoa q se vai acomodar e trabalhar das 9 as 5?

Acho que desde adolescente queria muito viver, ter experiências, estar exposta a coisas que me desafiassem e me fizessem evoluir. Diferente da forma académica - que era o que a minha mãe queria mais - achava que viajando e através do desporto poderia ter muitas experiências de vida.

 

Para quem compete na WSL é mais fácil ter acessos a patrocínios, como funcionam no teu caso, é fácil? pode dizer-se que vives bem? 

Fácil não é, senão toda a gente o fazia. Tive sorte, foi a partir do momento que segui as ondas grande que me comecei a estabilizar profissionalmente, financeiramente. Só no free surf não conseguiria fazer disto profissão. Apenas nas ondas grandes consigo realmente fazer do surf profissão e viver disto. Tenho momentos de grande responsabilidade e tenho de ter performances em mar gigante, arriscar e isso é a parte profissional do meu trabalho. Se estivesse só a viajar pela Indonésia e pelas ondas perfeitas do mundo não teria dinheiro para viver do surf. Além de ser algo que amo fazer - as ondas grandes - foi uma forma que encontrei de estar no lugar certo à hora certa e abri esse nicho no surf, que já existia no masculino, mas não era explorado no feminino. Foi assim que consegui entrar numa área não explorada que achava que tinha potencial.

 

Hoje em dias as mulheres no surf exploram também bastante a sua imagem, para além do surf. Como vês isso enquanto mulher?

As mulheres e os homens também! Já vi muitos meninos com imagens de calções, o corpo molhado, bronzeado e ‘sarado’. Isso vende, nós vendemos a saúde, vendemos o corpo, o estilo de vida - estar na praia, saudável, queimado e a praticar desporto outdoor. Homens e mulheres fazem isso. As mulheres se calhar destacam-se mais nesse campo, no mundo existem muito mais mulheres bem sucedidas enquanto modelos do que homens. Não há homens a ganhar o mesmo que a Gisele Bundschen ou a Kate Moss, mas ambos os sexos vendem a imagem. O Kelly sempre foi um cara muito bonito que faz muitos anúncios, ou o Jeremy Flores e o Julian Wilson, o Laird Hamilton também…

 

Entre os brasileiros há algum que tenha essa imagem?

O Gabriel Medina, sem dúvida. Faz muitos anúncios, tem uma imagem clean, é bonito tem um bom corpo, o Felipe também. Isso ajuda sempre, mas no mercado feminino se calhar vendemos mais, em especial se juntarmos a beleza à performance.

 

Começaste a vir a Portugal para surfar na Nazaré, quase perdeste a vida por lá... tens uma ligação especial com o local?

Sim, claro. Tenho nacionalidade portuguesa, e família portuguesa. Sempre quis conhecer o país e quando vi o Garrett MacNamara a surfar a Nazaré e vi as ondas fiquei altamente impactada. Uma onda daquela magnitude… sempre tive curiosidade, mas nunca pensei viver aquela experiência. Mas devia estar no meu destino… tenho uma grande ligação a este lugar, não só por essa experiência, mas por tudo, pelo mar, pela lingua, por estar perto do Brasil, pelo apoio que tive das pessoas quando tive o acidente. Quando passas por uma experiência daquelas ‘conectas-te’ com o lugar.

 

Qual a tua opinião sobre a  "brazilian storm", como te sentes enquanto brasileira?

Enquanto brasileira é um orgulho abrir o webcast e estar sempre a ser surpreendida pelas performances, e não ter só um vencedor como o Gabriel, mas ter vários talentos que ganham e surpreendem sempre. São meninos muito jovens que vão evoluir e vamos continuar a torcer para liderarem o circuito mundial por muitos anos. É um orgulho ter tantos brasileiros a representar o país. Na minha geração cresci a ver o Adriano, que entrou com muita força e já tinha feito muitos resultados expressivos, e então veio o Medina, o Filipe, o Italo, o Wiggolly… todos eles com muita força, é incrível.

 

Achas que os brasileiros trouxeram uma nova forma de estar ao Tour? Em termos de raça e atitude?

É a necessidade (risos)! Quando se precisa trabalha-se mais. É a nossa cultura, precisamos de provar muito para ter alguma coisa, especialmente num mundo competitivo como é o do surf, onde passas por dificuldades e tens de te superar sempre, e a competição tem um nível muito alto no WCT. Acho que eles levam essa necessidade, essa garra extra, no Brasil nada se ganha facilmente. Durante muitos anos tivemos dificuldades no surf mundial, dominado pela Austrália e Estados Unidos, com todo o dinheiro da indústria lá, nós viemos muito pela ‘beira’.  Quando surge a oportunidade, todo o mundo se agarra a ela com unhas e dentes.

 

Momentos mais difíceis na tua carreira?

As duas operações à minha coluna foram muito complicadas, fiquei muito tempo deitada. Mudou muito a minha vida, como atleta. Tive de me adaptar a uma nova realidade.

 

Se n fosses surfista serias?

Acho que trabalhava em filmes.

 

Mensagem a deixar?

Torçam por nós, a temporada de inverno vai ser longa e que nós tenhamos sorte e coragem para enfrentar as ondas da Nazaré.

 

Quem vai ganhar em Peniche?

Espero que ganhe o Adriano, estou a torcer por ele. (ndr: a entrevista foi realizada antes da eliminação de Adriano de Souza)

Fotos: Pedro Pimenta

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